segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Agnès Aflalo: Observações sobre o tema

Fazer uma análise. A condição para se tornar analista é fazer uma psicanálise. Para isso, é preciso encontrar um analista. Ora, O psicanalista não existe. O que existe é um ato do qual somente os efeitos de só depois poderão legitimar se houve uma análise. A pergunta “como se torna analista?” deriva-se então em diferentes questões, como esta do testemunho exposto, que permite verificar a pertinência da decisão de funcionar como analista. Lacan formalizou um fim lógico da experiência que passa pelo testemunho do passe diante de um júri fechado. O tema das Jornadas que vocês escolheram demanda um testemunho pouco distante do passe, posto que se trata de expor seu próprio percurso, e da decisão tomada de ocupar o lugar da variável na função de psicanalista. Há como relançar a experiência, se os testemunhos forem efetivamente ordenados em sua diversidade.

O fato. O momento da instalação precede freqüentemente o momento lógico do fim da experiência. É um fato que o analista só se autoriza de si mesmo, mas, também de alguns outros e é também um fato numa Escola de Lacan.

Nunca parar de pôr o paradoxo a trabalhar. É preciso um psicanalista para fazer existir o inconsciente. E não há psicanálise sem psicanalista. Fazer existir o inconsciente depende do ato analítico.

A regulação do desejo na análise. Alguém se torna analista porque assim o deseja. Esse desejo pode datar de antes da análise – na adolescência, sim, como foi meu caso, onde a leitura de Freud fez acontecimento. Mas, isto não basta. Esse desejo se decide por acaso no decurso da análise. Ele se impõe como alternativa de uma escolha forçada (as únicas que contam): “isso, ou nada mais”. Tornamo-nos analistas quando estamos habitados pelo desejo de que a psicanálise não desapareça conosco - quando se decide que a experiência subjetiva da análise é de tal forma insólita, que vale a pena ser transmitida a outros.

Tirar as conseqüências radicais da inexistência do Outro- mas não por meio de fazer uma análise sem a presença real daquele que se dedica a fazer o analista. A psicanálise e os psicanalistas, isso faz dois, mas não por meio de fazer existir o Discurso Analítico sem psicanalista.

O que faz alguém analista é, in fine, uma vicissitude do sintoma- se a decisão está tomada, basta decifrar o querer-dizer do sintoma, e o que resta do querer gozar é suficientemente esvaziado para alojar a queixa de um outro. Em outras palavras, decidir de se fazer o parceiro de um outro sinthoma que não o seu, para que se complete o trajeto que vai do Outro ao outro (l’(a)utre).

Tornar-se analista e permanecer analista: relançar a aposta ética. Isso depende do ato para cada paciente, e a cada sessão. Isso implica em reinventar a análise com cada um, a fim de que os efeitos de verdade desencadeados pelo ato possam se construir em um saber singular que toque o real do sintoma. Isso implica em supervisões, e a retomada da análise, quando os restos ativos do sintoma disto necessitem.

Não parar de acreditar no inconsciente, e de se fazer responsável pelo sintoma. É saber que o real do inconsciente não pára nunca de engendrar seu próprio desconhecimento. Isso é verdade antes, durante e depois da análise. Tornamo-nos analistas quando consentimos com a ascese prescrita pela causa analítica, que prescreve se desfazer deste desconhecimento engendrado pelo real, e, portanto, de nunca estar desobrigado. É dar seu lugar ao inconsciente pós-analítico, e não somente para retomar um período de análise, mas também interpretar outras formações do inconsciente, se for necessário, como o fato de analisar a lógica do ato falho.

A Escola de Lacan. Tornar-se analista numa Escola de Lacan é decidir fazer-se responsável com outros da transmissão do Discurso analítico. Isso comporta passar pelo ensino de Freud, de Lacan, sem fetichisar seus conceitos. Quando a Coisa analítica não lhes deixa mais em paz, e que decidiu de fazer dela sua causa, e que ela impulsiona a reinventar a psicanálise, mas sem uma série de outros que tomaram a mesma decisão, e por razões similares.

A questão é atual, pois isto é necessário para que o discurso analítico não desapareça. Ora, para que a questão possa continuar a se colocar, é preciso que a psicanálise não seja decretada fora da lei pelo mestre que nos governa. Tornamo-nos analista quando temos a idéia de que o psicanalista é responsável por fazer existir o discurso analítico. Isso implica em analisar o mal-estar contemporâneo.

As XXXVIII Jornadas acontecerão nos próximos dias 7 e 8 de novembro em Paris, no Palais de Congrés

ECF 1 Rue Huysmans Paris 6éme. Tel. + 33 (0) 1 45 49 02 68

Para se inscrever acessar www.causefreudienne.org

Tradução: Elizabete Siqueira

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Bonita aposta

Judith Miller,Psicanalista.

Ponhamo-nos, nestas Jornadas, na hora da surpresa, sabendo que a maioria das decisões são vividas como demasiado tardias. Não é uma razão para não tomá-las.

Esta me permite saber por que o título destas Jornadas faziam com que me coçasse sem as cócegas. Sem dúvida, sou demasiada heideggeriana: o “se” mata a surpresa que remete a um caminho já traçado.

Felizmente, Jacques Lacan encontrou o espírito freudiano: a noção de caminho obrigado, de cursos e a da análise chamada didática, com seus aparatos de bens necessários e outras enfatuações. Ver o texto mordaz dos Escritos. Extrair dali, suas conseqüências.

Uma análise não está pré-programada, reserva surpresas.

Não há prejuízos, não há ideal, tampouco. O passe não é um, não prejulga nada, nem sequer não voltar ao trabalho de analisante, por um pequeno lance, aqui, ali.

A pergunta seria ao menos dupla. Quem é analisante, quem entra em análise atualmente e o que pode produzir-se aí? À primeira, numerosas respostas, caso por caso. Declino algumas que posso ver (sem saber nada disso).

- Estão os que crêem fazer uma análise e não o fazem, porque aquele que pretende permiti-la, não o permite. Não há análise sem analista. A questão se torna: haveria que demonstrar que o “ato” verifica que alguém teve o lugar de analista. O caso é que nem todos aqueles que querem fazer uma análise têm a oportunidade de encontrar esse alguém.

- Estão os que sofrem e que têm a coragem de não contentar-se com isso, de se colocarem ao trabalho analítico, o aprendem. Saboreiam seguramente e vão saborear ainda mais de outro modo, esse trabalho tem efeitos e não vejo porque os analistas se envergonhariam dizendo que são de cura, dado que em medicina que tem a ver com curar, um enfermo não deixa de ser por isso, menos mortal; a melhora, a satisfação de que se trata, não equivalem nem à serenidade, nem a alguma “normalidade”, nem a uma saúde mental, ...nem...nem.

- Estão os que tomam gosto por esse trabalho, que se transforma indispensável, fizeram bem em decidir-se, às vezes por necessidade estrutural, às vezes por debilidade (quando?), às vezes por outras vias.

- Outros consideram, em determinado momento, que terminaram, pode ser algo provisório ou definitivo, o que não implica por a trabalho seu inconsciente - ensinando, por exemplo - porém há outras maneiras a explicitar também, entre elas, depois de tudo, analisar os demais.

Não existe os que fazem uma análise por pura curiosidade intelectual, nem para encontrar seu caminho profissional, volta à casinha do começo.

- Estão os que não se decidem por se colocarem a trabalho de analisante. Estão equivocados? O equívoco, como cada um sabe, mata. Sem dúvida, entre eles, muitos cedem sobre seu desejo. Não todos, alguns se arranjam sem saber como. Medem as contingências que os têm permitido, os encontros, as ocasiões falhadas e aquelas exitosas.

- Se a psicanálise é preciosa hoje, é por ser intempestiva, por preservar-se das receitas, dos programas, por apreciar o inesperado e o anódino e por acolhê-los sem causar danos, por ter tato frente ao mais secreto, dando conta disso com justeza e por meio do detalhe singular. Racionalista de outro modo, termina sendo poética.

Encontrar as surpresas, bonita aposta. Não consolam nem evitam a vaidade do que constitui o sal da vida, um pequeno nada, decisivo. Em que?

segunda-feira, 7 de setembro de 2009