O
apagar das luzes: suicídios na adolescência
Como pensar na idade do desejo, sem levar em consideração seus efeitos
nefastos? Pesquisas apontam que além do crescimento dos suicídios em
geral, segundo o Ministério da Saúde, cresce o ritmo em que
ele se dá na adolescência.
Marcela Antelo no
texto ‘Idade do Desejo’ ressalta que “o desejo é a consciência do apetite. Que
outra evidência real golpeia o corpo na flor da idade que a consciência
perturbadora do apetite?” O desejo então, enquanto perturbador, onde o real do
sexo se desvela, joga o sujeito na errância e nas vias da
pulsão. Miller no texto ‘Em Direção à Adolescência’ vai apontar
como novo na adolescência, cinco aspectos: procrastinação; autoerótica do
saber; realidade imoral; socialização sintomática;
e Outro tirânico. Pontos articuláveis entre
si e atravessados pelo discurso da atualidade na relação de
consumo e pressa – paradoxal à procrastinação. Se
pensarmos a pressa a partir do discurso capitalista,
proposto por Lacan, podemos entender o paradoxo pressa x procrastinação, na
velocidade do consumo e troca de objetos – gadgets – que
vemos pululando na contemporaneidade, tal como o afirma Aflalo:
“produz-se, então, um trajeto de ida e volta em torno de um gozo
perdido”. Como destaca Miller, a adolescência tem um ponto de partida – a
puberdade tratada por Freud em ‘Três Ensaios’ – mas não tem um ponto de
chegada. Esse não saber onde chegar, articulado às transformações do
corpo e atravessado pelo consumo produz um prolongamento da
adolescência. É essa mesma velocidade do discurso
capitalista que indica também a autoerótica do
saber. O saber não é mais o objeto do Outro, não há mais negociação, está
no bolso de imediato, nessa mesma lógica de consumir e consumir-se.
O suicídio do jovem
pode ser só e silencioso, mas pode ser contagiante também. É o
que mostra a pequena cidade inglesa, Bridgend, onde ao longo dos
anos, desde 2007 até hoje contamos 79 suicídios de jovens,
quase todos por enforcamento. Trata-se de um movimento coletivo?
Talvez uma cadeia, um contágio sem explicação, com apenas especulações
sobre a perda de importância e a queda financeira da cidade, ou de que a
própria mídia ao noticiar as mortes seria a motivadora. Esse é um
exemplo de uma solução para o desamparo que se transmitiu por uma via de acesso
que serviu a muitos. Um saber que aparece diante da angústia da
falta de conectividade com o Outro. Os jovens se conectaram através
da morte e do mistério implicado nos seus atos.
Lucíola Macedo toma
o termo ‘desenraizamento’ de Hannah Arendt, como “o que convoca a deriva,
a errância, um avesso do que amarra”,
sendo importante para situar os novos destinos da pulsão de
morte. Como pensar o suicídio na adolescência e as possíveis inferências da
psicanálise, uma vez que o ato já se revela como posto?
Muitos jovens
conseguem, apesar da socialização sintomática e do
‘desenraizamento’, fazer até um modo de vida, uma socialização. Mas,
há os que não. Há os que só lhes resta o apagar as luzes, diante
do golpeamento no corpo da presença perturbadora do
desejo, em sua forma nefasta. A fantasia parece não contornar
o pulsional intensificado por esse não saber, e ter o objeto no
bolso pode não dizer nada sem o Outro. Para além de incluir
o suicídio na pauta sobre a adolescência, – é preciso falar sobre isso –
pensar o que a psicanálise pode oferecer ao adolescente, frente
ao desamparo. Não se curvar às dificuldades impostas pelo discurso
capitalista e sua pressa, e oferecer lugar à adolescência na cultura e na
cidade. Traçar um ponto de ancoragem para que a errância não
circule no vazio do saber, e possa se ancorar, ainda que cambaleante,
antes do apagar das luzes.
Marcia Müller Garcez
Referências:
AFLALO, A. Discurso
capitalista. In: Scilicet: os objetos a na
experiência psicanalítica, AMP, Rio de Janeiro: Contra Capa, p. 83-86, 2008.
LACAN, J. O Seminário, livro
17: o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992
[1969-70].