quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Bonita aposta

Judith Miller,Psicanalista.

Ponhamo-nos, nestas Jornadas, na hora da surpresa, sabendo que a maioria das decisões são vividas como demasiado tardias. Não é uma razão para não tomá-las.

Esta me permite saber por que o título destas Jornadas faziam com que me coçasse sem as cócegas. Sem dúvida, sou demasiada heideggeriana: o “se” mata a surpresa que remete a um caminho já traçado.

Felizmente, Jacques Lacan encontrou o espírito freudiano: a noção de caminho obrigado, de cursos e a da análise chamada didática, com seus aparatos de bens necessários e outras enfatuações. Ver o texto mordaz dos Escritos. Extrair dali, suas conseqüências.

Uma análise não está pré-programada, reserva surpresas.

Não há prejuízos, não há ideal, tampouco. O passe não é um, não prejulga nada, nem sequer não voltar ao trabalho de analisante, por um pequeno lance, aqui, ali.

A pergunta seria ao menos dupla. Quem é analisante, quem entra em análise atualmente e o que pode produzir-se aí? À primeira, numerosas respostas, caso por caso. Declino algumas que posso ver (sem saber nada disso).

- Estão os que crêem fazer uma análise e não o fazem, porque aquele que pretende permiti-la, não o permite. Não há análise sem analista. A questão se torna: haveria que demonstrar que o “ato” verifica que alguém teve o lugar de analista. O caso é que nem todos aqueles que querem fazer uma análise têm a oportunidade de encontrar esse alguém.

- Estão os que sofrem e que têm a coragem de não contentar-se com isso, de se colocarem ao trabalho analítico, o aprendem. Saboreiam seguramente e vão saborear ainda mais de outro modo, esse trabalho tem efeitos e não vejo porque os analistas se envergonhariam dizendo que são de cura, dado que em medicina que tem a ver com curar, um enfermo não deixa de ser por isso, menos mortal; a melhora, a satisfação de que se trata, não equivalem nem à serenidade, nem a alguma “normalidade”, nem a uma saúde mental, ...nem...nem.

- Estão os que tomam gosto por esse trabalho, que se transforma indispensável, fizeram bem em decidir-se, às vezes por necessidade estrutural, às vezes por debilidade (quando?), às vezes por outras vias.

- Outros consideram, em determinado momento, que terminaram, pode ser algo provisório ou definitivo, o que não implica por a trabalho seu inconsciente - ensinando, por exemplo - porém há outras maneiras a explicitar também, entre elas, depois de tudo, analisar os demais.

Não existe os que fazem uma análise por pura curiosidade intelectual, nem para encontrar seu caminho profissional, volta à casinha do começo.

- Estão os que não se decidem por se colocarem a trabalho de analisante. Estão equivocados? O equívoco, como cada um sabe, mata. Sem dúvida, entre eles, muitos cedem sobre seu desejo. Não todos, alguns se arranjam sem saber como. Medem as contingências que os têm permitido, os encontros, as ocasiões falhadas e aquelas exitosas.

- Se a psicanálise é preciosa hoje, é por ser intempestiva, por preservar-se das receitas, dos programas, por apreciar o inesperado e o anódino e por acolhê-los sem causar danos, por ter tato frente ao mais secreto, dando conta disso com justeza e por meio do detalhe singular. Racionalista de outro modo, termina sendo poética.

Encontrar as surpresas, bonita aposta. Não consolam nem evitam a vaidade do que constitui o sal da vida, um pequeno nada, decisivo. Em que?

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