Fátima Sarmento, psicanalista, Membro da Associação Mundial de Psicanálise - AMP, Membro da Escola Brasileira de Psicanálise - EBP/seção Bahia e Coordenadora do núcleo de pesquisa em psicanálise e criança - Carrocel.
O aumento da incidência de infanticídios, notadamente com crianças adotadas, da criminalidade infantil, da pedofilia, da participação de jovens em crimes organizados, da difusão do uso de drogas, vem denunciar que há, por um lado, na contemporaneidade, efeitos de um gozo que caminha sozinho e, por outro lado, há um deslocamento do estatuto da criança do lugar de ideal para o lugar de objeto de gozo do adulto. Se antes era preciso uma família para fazer aparecer um sujeito, hoje ocorre uma inversão – a criança é quem cria a família.
Jacques Lacan previu desde a década de 60 que o progresso da ciência levaria a uma segregação. A ciência e o mercado operam criando classes na tentativa de fundar uma linguagem universal do sintoma – o Manual Estatístico de Diagnóstico (DSM). A psicanálise considera que toda classificação se caracteriza por deixar de lado o próprio modo do sujeito virar-se com a pulsão, com seu modo de gozo.
O distúrbio do déficit de atenção, DDA com ou sem hiperatividade, TDAH, se constitui como um dos diagnósticos mais comuns entre as crianças. Essas nomeações instituídas para dizer tudo não dizem nada sobre o sujeito, ou sobre um corpo onde a função simbólica não executou bem o seu papel. Elas servem apenas para cobrir o mal-estar, velando a angústia. O medicamento prescrito para esse distúrbio é a Ritalina, que já faz parte da vida diária das escolas.
Para a psicanálise de orientação lacaniana, o déficit não é um bom critério diagnóstico, pois conduz ao uso de medicação e a terapias comportamentais paliativas, dirigindo-se sempre ao sujeito da aprendizagem e nunca ao sujeito do inconsciente. As TCCs não consideram o inconsciente como testemunho de um saber que escapa muitas vezes ao falasser. Ao desconhecerem o lugar do gozo, ou seja, a colocação em ato da pulsão, desconhecem o que leva o sujeito à repetição, ao acting out e à passagem ao ato. Para a psicanálise, a criança hiperativa padece de uma dificuldade na operação de separação que retorna no real do corpo da criança como uma agitação maníaca. Cabe ao analista ajudar a criança a construir uma ficção, que lhe permita se separar, na linguagem do gozo que antes fazia retorno em seu corpo.