segunda-feira, 7 de junho de 2010

"A invenção do delírio", in El saber delirante. Buenos Aires: Paidós, 2009. [Colección del Instituto Clínico de Buenos Aires]

Miller, Jacques-Alain.

Trata-se de uma conferência sobre o tema “Delírio e fenômeno elementar”, desenvolvida no Seminario-Coloquio de la Sección Clínica de Buenos Aires em 1995. Esta resenha recorta as principais articulações do autor que contemplam o tema do XVIII Encontro Brasileiro.

O delírio é um discurso articulado – esta fórmula pode ser depreendida do ensino de Lacan, segundo Miller. Por ser uma combinação de elementos, é possível destacar no conjunto do discurso delirante os elementos mínimos e primeiros que serviram de base para a construção, desenvolvimento e elaboração do delírio. Assim, o fenômeno elementar e o delírio são considerados como "elementos comuns a todo ser falante", e é uma maneira de generalizar o conceito de delírio. Como todo "eu" é delirante, "um delírio pode ser considerado como um realce do que cada um traz em si" (p.81), propondo a escrita deliryo, no idioma espanhol.

O binômio fenômeno elementar-delírio é aqui explorado, desde a lógica matemática, ao considerar os fenômenos elementares funcionando como axiomas de partida para o discurso demonstrativo, e desde a psiquiatria, quando Miller recupera De Clérambault e as articulações de Lacan sobre este binômio em vários momentos de seu ensino.

O delírio tem a mesma estrutura que o fenômeno elementar, como acontece com a folha em relação à planta: ela tem os mesmos traços de estrutura da planta a que ela pertence. Esta metáfora é utilizada por Lacan no texto "A direção do tratamento e os princípios de seu poder" (Escritos). Ao analisar o sonho da "Bela Açougueira", ele demonstra que este sonho, de uma histérica, é capaz de indicar "toda a planta da histeria", ou seja, o conjunto da neurose está presente numa formação do inconsciente, num único elemento. Então, a formação do inconsciente está para a neurose como o fenômeno elementar está para a psicose. É possível apropriar-se da estrutura mediante uma boa extração de um fragmento.

"O fenômeno elementar está estruturado e sua estrutura é a da linguagem, tal como a do delírio. Em geral, se pode dizer que o delírio é um fenômeno elementar e que o fenômeno elementar é um delírio, já que ambos estão estruturados como uma linguagem." (p.88)

Seguindo Lacan, Miller aproxima mais um binômio: alucinação-interpretação. Apesar das diferenças fenomenológicas, pelo viés da estrutura da linguagem, uma alucinação verbal responde a esta mesma estrutura; por isso, nesse nível, a diferença pouco importaria, uma vez que a estrutura de linguagem está presente tanto na alucinação como na interpretação. No texto “Resposta ao comentário de Jean Hyppolite sobre a ‘Verneinung’ de Freud” (Escritos), Lacan sustenta, num outro nível, a distinção entre elas com os exemplos do Homem dos Lobos e do Homem dos Miolos Frescos: no primeiro, a falta de um significante na estrutura do sujeito faz com que o foracluído retorne no real, enquanto que, no segundo, um exemplo de acting out, a falta de um significante na interpretação do analista faz com que surja na conduta do sujeito aquilo que ele não pode entender, “a recusa de uma relação oral não simbolizada que retorna como se fosse uma alucinação” (p.89). Miller, cuidadosamente, conclui: “quase podemos supor que há uma foraclusão”.

Penso que estes exemplos generalizam a foraclusão, que em cada caso, em princípio, seria possível identificar o foracluído, porque em algum nível ele retorna. A título de observação, remeto ao próprio Miller em seu Seminário Los signos del goce (1986-1987), pois lá ele também trabalha estes dois exemplos, junto com Schreber, depois de propor a foraclusão generalizada, nome do capítulo XXII, localizando em cada caso o que está foracluído e de que maneira acontece este retorno.

Para concluir, a formulação de que todo saber é delírio e que todo delírio é um saber, é baseada na concepção do significante. S1 é sempre elementar, ou seja, “não sabe o que significa”, sua significação somente pode surgir com S2, interpretando-o. “Escutando repetir o que afirma Lacan sobre o interessante da invenção de saber, o psicótico se apresentaria como o delirante que não retrocede diante da elaboração de saber, com o elemento de delírio que sempre há nesta invenção” (p.94). O neurótico tem em si o S2 de que necessita, ele sabe o que dizer. “Por que não traduzir desta forma a foraclusão do Nome do Pai, a foraclusão deste S2 que permite ao neurótico decifrar tudo sem perplexidade?” (p.96)

Carmen Silvia Cervelatti
AMP-EBP (SP)


XVIII Encontro Brasileiro do Campo Freudiano
O sintoma na clínica do delírio generalizado

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