Testemunho de Sagrario, mãe de Quique
Eu me chamo Sagrario Rojas e sou a mãe de Quique,
meu segundo filho.
Nós
começamos a nos preocupar com Quique quando ele estava com um ano e meio. Ele
se comunicava muito pouco, não pedia nada, aliás, não falava, emitia somente
pequenos sons isolados. Ele não interagia com seu meio, brincava sempre
sozinho. Quique ainda acordava à noite para mamar, e a hora da refeição era
muito difícil, Quique recusava a se alimentar.
Seus
comportamentos nos preocupavam muito, decidimos procurar profissionais ou uma
instituição que pudesse ajudá-lo. Eu não encontrava calor humano em nenhum dos
meus interlocutores. Enviavam-nos de um serviço a outro, às vezes para uma
assistente social, outras vezes para um psicólogo, um médico ou diversos
terapeutas; todos estavam obcecados pela ideia de me fazer responder uma série
de perguntas idênticas, preencher papéis ou escrever a história de seu
desenvolvimento. A fim de descartar certos riscos de doenças, meu filho foi
submetido a análises dolorosas para ele e a testes de audição, mesmo que eu já
soubesse que meu filho escutava.
Todo tipo
de anomalias de ordem biológica tendo sido descartada, enviaram-me à unidade de
saúde mental infanto-juvenil e, de lá, para o que eles chamam de um
centro-base, onde, após uma observação de dez minutos, me disseram, como se
tivessem me dito bom dia, que meu filho era autista. Deram-me então um outro
formulário para preencher, a fim de fazer um pedido de tratamento. A maior
parte do formulário continha perguntas às quais eu já tinha respondido.
Telefonaram-nos
um mês e meio mais tarde, Quique ia enfim ter um tratamento onde cuidariam dele
e faltava somente preencher formulários para fornecer elementos para os estudos
estatísticos! Não foi assim. O interrogatório recomeçou, com as mesmas
perguntas, as quais já tínhamos respondido várias vezes. Eu tive,
verdadeiramente, o sentimento que meu filho não era nada mais que um relatório,
um número. Eu comuniquei isto à pessoa que nos recebia e larguei
definitivamente essa instituição.
Para os
pais, os momentos mais difíceis são aqueles em que a dificuldade de sua criança
para se comunicar e estabelecer uma relação se torna manifesta. Para que eles
possam enfrentar essa situação desconcertante é fundamental ter um apoio, que
os ajude a seguir a via nova de encontro com seu filho, que a terapia ou o
tratamento recebido pela criança possibilita.
Uma vez
que eu rompi a relação com o sistema institucional, continuei a procurar ajuda
para meu filho (e para mim) e, por acaso, encontrei – foi um amigo que me fez
conhecer Vilma – uma analista. Foi o acaso que me levou à psicanálise, um campo
desconhecido por mim e que me ajudou.
Quique
começou a ver Vilma, há dois anos e meio, ele pronunciava então palavras
isoladas e seu comportamento era muito rotineiro.
Naquela
época, um de seus problemas era a alimentação. Ele não comia sozinho e não
mostrava nenhum interesse pela comida. Preocupada, eu lhe dava de comer
distraindo-o. O momento da refeição era tenso e temido.
Num
jantar, Quique apanhou um garfo com um pedaço de omelete e, bruscamente,
introduziu-o em minha boca. Pude perceber que lhe dar de comer implicava, para
Quique, uma violência e fui capaz de seguir os conselhos que me dava Vilma, nas
sessões. Quique tinha mostrado seu mal-estar e eu tinha que compreendê-lo.
Quique
evoluiu desde então, ele trabalhou duro nas suas sessões, toda semana (a
distância nos impediu de vir mais frequentemente) e, pouco a pouco, ele foi
capaz de adquirir a linguagem e, mais ainda, de estar em relação com seus
semelhantes e seu ambiente.
No fim do
último ano, a evolução de Quique foi mais significativa ainda, ele trabalhou
várias sessões sobre um mesmo tema, o tema da «pessoa». Este tema surgiu no
consultório de Vilma, quando ela recebia outro paciente. Nós insistimos para
que ele esperasse sua vez, já que Vilma estava com outra «pessoa». Ele ficou
reticente no momento de entrar de novo, ele manifestava isto quando chegava sua
vez, me pedindo para que lhe confirmasse sua situação de «não pessoa», ele se
sentia, sem dúvida, objeto (robô), animal ou personagem de desenho animado.
Após várias sessões e face a minha recusa em confirmar a resposta que ele
solicitava, ele chegou à conclusão de que sim, ele era uma «pessoa». Esta
descoberta foi a base que lhe permitiu avançar, não somente na linguagem, que
ele tinha adquirido, mas, principalmente na sua posição de ser diante ou no
mundo.
Uma
tarde, ele me perguntou se os bebês tinham um cérebro, eu lhe respondi que
«sim», ele perseguia então sua ideia: «mas não são pessoas?» Quique dava à
«pessoa» uma capacidade de autonomia que ele não reconhecia em um bebê. Foi
distinguindo-se do bebê que Quique pôde se considerar como um ser humano, «uma
pessoa», capaz de manifestar seu desejo e de trabalhar por si mesmo e para si
mesmo.
As
pessoas com TSA (transtorno do espectro autista) têm necessidade de uma
antecipação nas suas atividades cotidianas, de certa rotina que lhes permita
sentirem-se em segurança. Mas, eles querem também uma liberdade de decisão, um
poder de agir «motu propio», e escolher sua atividade, manifestar seu desejo, e
nós não devemos fazer seu cotidiano entrar na agenda, nem em casos rígidos, que
provocam uma mecanização extrema da vida. E, além disso tudo, seu desejo, que
eles têm tanta dificuldade para expressar, deve ser tomado como prioridade para
seu desenvolvimento.
É esse
respeito que peço para com as pessoas autistas.
Sagrario Rojas Alonso
Barcelona, 19 de junho de 2010
Fonte:
www.lacanquotidien.fr. Número: 198