A
C
|
RÔNICA
DE ÉRIC LAURENT
[Autismo:Epidemia
ou estado ordinário do sujeito?]
Quinta-feira 29 de março, os números caíram. Não os
do CAC 40 ou da NASDAQ, nem aqueles das últimas ondas de pesquisa para
presidente, mas os do CDC.
Em seu
acrônimo americano, o Center for Disease Control and Prevention, omite
le P. Esses números não são bons. A
prevalência do autismo não cessa de aumentar. Ela está agora de 1 criança em 88, ou seja, dada a
dissimetria da sensibilidade dos sexos, de 1 em 54 meninos. Isso dá 25%
desde 2006 e 78% de aumento desde 2000-2002, data do início da contagem pelo
CDC. Esses números foram obtidos utilizando os dados fornecidos por 14 estados
relativos às crianças diagnosticadas nas escolas e nos sistemas de saúde, numa
rede formando uma base de dados integrada.
As diferenças na prevalência entre estados vão de 1 a 4. De 1 em 210 no Alabama
a 1 em 47 em Utah. Prevê-se então que à medida em que se diagnosticará melhor
nos estados pobres como o Alabama, e que as crianças das comunidades negras e
hispânicas receberão mais provavelmente o diagnóstico, os números vão
mecanicamente sempre aumentar. Várias abordagens se enfrentam para interpretar
esses resultados.
A
primeira é a dos responsáveis pelas diferentes instâncias da burocracia
sanitária. De início o diretor do CDC, Thomas
Frieden, que declarou à Alice Park, no site do Time Magazine « No ponto em que estamos, penso que há uma
possibilidade de que o aumento dos números sobre o autismo sejam inteiramente o
resultado de um melhor rastreamento. Não sabemos se é o caso, mas é uma
possibilidade». Para tranquilizar os pais, e fazer frente aos futuros
aumentos, ele acrescenta «O que nós sabemos de maneira certa é que o autismo é
comum, que as crianças com autismo precisam de serviços eficazes. Devemos
aumentar o número de crianças diagnosticadas, diagnosticadas
precocemente e aumentar o número de crianças nos programas o mais cedo
possível». Ele tranquiliza então falando de um
aumento dos programas de acolhimento reservados aos sujeitos autistas.
Ele quer enfim transformar os pais angustiadas em atores do sistema :
« É importante que os pais que têm preocupações as manifestem. Toda
preocupação deve ser levada a sério. Não esperem!».
O diretor
do National Institute of Mental Health, o NIMH, Thomas Insel, também se
inscreve nessa perspectiva. O aumento se deveria a uma melhor sensibilidade ao
problema, um melhor rastreamento, um acesso mais importante aos programas
especiais para os autistas e aos serviços no seio da escola pública. Ele
considera que os sujeitos são mais diagnosticados sob a pressão dos pais que
tiveram assim acesso aos serviços pessoais e ajudas especializadas.
Fala-se
então de um fator de « substituição diagnóstica» que é preferível ao
« efeito de conformismo ». A grande revista Pediatrics, da American
Academy of Pediatrics consagra regularmente artigos a este efeito de
substituição na maneira como as crianças são classificadas, tanto nos centros
de saúde quanto nos serviços de educação especializada (Special Education). Num primeiro tempo, constata-se simplesmente que o
leito de Procusto se estende e que todo mundo tem seu lugar no «espectro
do problema». Todos aqueles que estavam classificados como retardados mentais
ou esquizofrênicos ou deficientes em amplo sentido, agora são autistas. O
que tranquilizava também os pediatras era que comparando os números da educação
especial e os previstos pela epidemiologia, permanecíamos abaixo dos números
previstos pelo sistema de saúde. É o que é posto agora em dúvida pelo CDC que
integra as duas dimensões, escola e saúde, na sua avaliação.
Os responsáveis do NIMH e do CDC estão muito preocupados com um efeito
perverso da «epidemia» de autismo na medida em que se um «fator ambiental» é
associado a ele, o mais frequentemente citado é a vacinação. Lembramos do
pânico lançado por Andrew Wakefield e sua teoria de uma correlação entre
o autismo e a vacina Sarampo-Caxumba-Rubéola (vaccin ROR) [NT: no Brasil
conhecida como tríplice viral]. Qualquer que seja a rejeição a esta teoria, o
aumento tão rápido da prevalência do autismo nos EUA leva os pais a recusar as
vacinas. Sabemos que a liberdade de escolha é um ponto ao qual os americanos
são muito ligados. Essa recusa provoca agora epidemia de sarampo, caxumba e de
coqueluche que tinham desaparecido do campo da pediatria. Se essas recusas se
acentuam teme-se a ocorrência de pequenas catástrofes sanitárias. A relação
diferente que mantém entre si os pais e os pediatras desse lado do
Atlântico nos evita essas regressões sanitárias. Por quanto tempo ? os que
sustentam o « atraso francês » ajudando, poderíamos também ceder a
essas sereias com as mesmas consequências previsíveis.
Uma outra
escola de interpretações é representada pelo «Autism
Speaks», a associação em que «O conjunto pelo autismo» se inspirou para seu programa e seus métodos. Seu presidente, Mark
Rothmayr, pensa que o papel de um melhor diagnóstico da afecção só explica a
metade de seu aumento. No fio do discurso da associação, ele fala de catástrofe nacional e da necessidade de
um « plano nacional » para responder a isso. A revista «Disabilities
Studies Quaterly», «a primeira revista no campo dos estudos sobre o
deficiente », publicada pela Ohio State University, publicou em 2012, sob
a assinatura de Alicia A. Broderick, professora
de ciências da educação na Columbia, uma interessante análise da retórica do Autism
Speaks. Como professora de ciências da educação, ela é a favor da
inclusão das crianças deficientes e/ou autistas no sistema da escola pública e
contra os programas comportamentalistas especializados como ABA. Ela analisa desse
ponto de vista a retórica e os métodos que contribuem para o desenvolvimento da
indústria ABA, em detrimento da escola pública. Ela analisa três momentos
retóricos decisivos nos EUA que configuraram o momento atual do discurso sobre
o autismo. De início, em 1987, o artigo de
Lovaas que é o primeiro a falar de « cura » no autismo. Em
seguida, em 1993, a publicação da autobiografia de Catherine Maurice contando
sua utilização de um programa do gênero ABA com suas crianças porque era o
único fundado do «ponto de vista científico». Enfim, em 2005, a criação do Autism Speaks com seu estilo de retórica
publicitária de empresa e sua estratégia política. Ela aponta « O desdobramento onipresente da retórica do
autismo como « doença » e como « epidemia » através de seu
Conselho publicitário nos anúncios de serviço público ». Ela
considera como um golpe de mestre retórico fazer admitir as intervenções
comportamentais como um «tratamento medicamente necessário» para um fenômeno
constituído como «doença», cuja causa é ao mesmo tempo «genética» e
«epidêmica». Vemos, na França, o quanto a estratégia retórica do coordenador do
movimento «Juntos pelo autismo», Vincent Gerhards, adapta a fórmula americana à
situação francesa e européia. Numa reportagem de página inteira num grande
jornal, sob a forma de um Comunicado, ele se felicita «Recomendações» da HAS,
que transforma em uma etapa de seu programa. «Pela primeira vez, a eficácia das
abordagens educativas, desenvolvimentistas e comportamentais é reconhecida, e
essas abordagens são recomendadas... No mais, apoiando-se na petição lançada
pelo coletivo Autismo, o presidente da Assembléia nacional, Bernard Accoyer, pegou o Conselho econômico, social e
ambiental (CESE) sobre os custos econômico e social do autismo, que deve
apresentar seu relatório em outubro de 2012». Na mesma página, duas
outras grandes manchetes. Uma entrevista com o geneticista francês que dirige o
departamento de Neurociência no Instituto Pasteur, sob o título: «A descoberta
de genes implicados muda o jogo»; e uma outra
entrevista com uma responsável «Mécénat Santé Handicap» da Fundação Orange, que
responde à pergunta: «Por que a
Fundação Orange escolheu financiar projetos
sobre o autismo?». O título do artigo do geneticista é um pouco forçado porque
ele apresenta a coisa como feita enquanto este aqui diz «Passo a passo,
avançamos assim na compreensão das causas genéticas do autismo. Mas quase cada
caso está ligado a um gene diferente. Estamos ainda nesse trabalho de
descoberta dos genes implicados e de seu papel respectivo». O paradoxo
do fundamento genético do «espectro do problema autístico» está assim posto:
longe de encontrar genes comuns ao problema do espectro do autismo, se
está estabelecendo que em cada caso os genes são diferentes, o que supõe
o diagnóstico prévio. O importante é o recurso aos «dados científicos». Nesta
página, reencontramos o tríptico retórico do Autism Speaks: a ABA como
resposta médica necessária a uma epidemia genética numa parceria pública
(CESE) e privada (Fundação Orange), sob o controle do «Coletivo Juntos pelo
Autismo».
Além das
duas escolas de interpretação, o aumento rápido dos números da prevalência do
autismo, deixa pairar uma dúvida sobre seu fundamento genético. O
desenvolvimento recente feito pelo Centro de excelência sobre o autismo de San
Diego, de um teste permitindo detectar o autismo em cinco minutos desde a idade
de um ano vai, sem dúvida, contribuir para seu aumento. Agora está ao alcance
de todos fazer um sujeito entrar na categoria. De onde viria então a mutação
genética que poderia provocar tais efeitos?
No dia 4
de abril, geneticistas propunham uma nova teoria que respondia à questão. Três
estudos independentes publicados no site da revista Nature levam em
conta o número de genes relativos nas alterações dos genes que controlam o
desenvolvimento cerebral. Eles são centenas ou até mais de um milhar, cujas
mutações raras poderiam dar explicar de 15 à 20% dos autismos. O método
consistiu em comparar o material genético obtido em exames de sangue de pais
que não eram autistas e que tiveram um filho autista. Ele isolaram assim
mutações de uma geração a outra : as mutações chamadas « de novo ».
O problema é que se conhece poucas coisas sobre o papel das mutações raras
« de novo » sublinha Aravinda Chakravarti do Institut de Médecine
Génétique de l’université John Hopkins.
Já que se
achou a mesma mutação de novo sobre um mesmo gene em duas crianças que
não tinham mais nada em comum, uma equipe considera que esta mutação é causal.
Outra equipe encontrou um problema no mesmo gene como também em dois outros
identificados da mesma maneira numa amostra de famílias que tinham um
filho autista. Daí a hipótese formulada por Mark Daly de Harvard: «as
crianças com autismo têm um ritmo de mutação de novo mais elevado em
média, e os efeitos são mais severos». Mas sobretudo, o risco dessas mutações
aumenta com a idade dos pais, especialmente com a idade do pai. Teríamos então
colocado a mão no que no nosso estilo de vida explicaria o aumento do autismo.
O paradoxo desta hipótese é que ela tornaria a culpabilizar cientificamente os
pais do autismo das crianças. Ela complica também as pesquisas que se
concentram sobre a epigenética em seu conjunto. Como observar os fatores
específicos afetando as famílias num ambiente que não pode ser reduzido a
variáveis controladas num laboratório sobre esses milhares de genes ?
O número galopante de autistas será reduzido à partir do fim do ano pela
adoção de um critério mais restritivo de inclusão no espectro do problema. A comissão responsável no DSM
da definição de autismo decidiu excluir daí os Asperger e os problemas que
afetam o desenvolvimento não especificados de outra forma (TED-NAS), essas
categorias mais amplas que, desde 1994, tinham permissão de aumentar mais
amplamente a categoria. Teremos assim um efeito mecâncio assegurado de redução
e de números menos inquietantes. Fred R.
Volkmar do Child Study Center de Yale é categórico: «Essas mudanças
colocarão fim à epidemia de autismo». A medida será suficiente?
O debate estatístico não faz aparecer um estatuto
quase ordinário do autismo? Se definimos o ser falante como um ser de
comunicação, descobrimos uma falha radical nesta. O início do século XX foi o
da descoberta da extensão da neurose e do conflito psíquico. O fim do último século foi marcado pelo
estatuto ordinário da psicose e da depressão. O século XXI não será aquele da
evidência de um estatuto ordinário do autismo?
Nenhum comentário:
Postar um comentário