Uma família para todos…, a
crônica de Hélène Bonnaud
O lançamento do livro de
Nora Fraisse (1) que conta, num texto emocionante, a maneira pela qual sua
filha Marion de 13 anos resolveu suicidar-se depois de ter sofrido perseguições
dos colegas de escola, interpelou de novo a mídia e os políticos a respeito do
bullying escolar. O que esse fenômeno do bullying evoca para nós?
Ser vítima da maldade
Sempre houve bodes
expiatórios, crianças vítimas da maldade de alguns alunos e que sofriam em
silêncio por repetidas humilhações. Essas condutas sempre existiram no mundo
escolar onde, mais que em outro lugar, se verifica a violência entre pares,
fundamentada no gozo de humilhar, de insultar, espezinhar aquele que se toma
como vítima. E quem é psicanalista sabe qual o impacto que isso tem para o
futuro desses sujeitos que, no decorrer da sua análise, testemunham os momentos
em que se tornaram vítima de uns, alvo de troça de outros, o corpo sendo
frequentemente o objetivo destes escárnios, destas humilhações. De fato,
qualquer diferença, qualquer sinal de particularidade no corpo pode assumir um
valor negativo e, de repente, se transformar num insulto ou numa humilhação (o
gordo, o ruivo, o baixinho, o crespo, etc.)
Perseguição
Hoje, parece que esse
fenômeno tomou uma outra extensão, atingindo não somente os atributos do corpo,
mas também a degradação do sujeito. Os insultos não querem somente rebaixar o
sujeito pelo corpo que ele tem, mas buscam aniquilar o sujeito enquanto ser.
Eles não atingem mais um defeito do corpo, mas o capturam pelo que constitui o
real de cada um, o sexo, a origem, a morte.
Nesse contexto, o
significante vítima só pode se ligar ao significante perseguição.
De fato, quando num grupo surgem esses comportamentos que consistem em tocar o
ser de um sujeito, rebaixando-o, insultando-o, degradando-o, temos aqui o que
chamamos de perseguição. Wikipédia dá esta definição: “Uma perseguição é
um tipo de opressão que consiste em aplicar a uma pessoa ou a um grupo de
pessoas medidas ou tratamentos injustos, violentos ou cruéis, por razões de
ordem ideológicas, políticas, religiosas ou ainda raciais”. É preciso
acrescentar razões da ordem do ódio. Realmente, o ódio puro não precisa se
apoiar sobre uma diferença estabelecida. Ela tem o seu fundamento no desejo de
morte.
O ódio toca o ser. Ele
quer destruir. Ele quer matar. É a terrível mensagem que deixa Marion em sua
carta. Ela diz isso claramente e sua mãe retoma: “as palavras
matam”.
A psicanálise diz a mesma
coisa. Ela tem um saber sobre o poder das palavras, o poder de destruição das
palavras. Ela ensina que tudo o que se diz que toca o ser de um sujeito –
criança ou adulto – que busca aniquilá-lo, pode levar a graves danos e
até mesmo levá-lo ao pior.
Lacan falava do
“ódio sólido” (2). Há no assédio alguma coisa que coloca em jogo
esse ódio sólido, que se dirige ao ser. Resta saber como prevenir esse fluxo de
gozo que busca atingir o objeto a daquele que sofre o assédio. Atingir o
objeto a de um sujeito, este é o objetivo do ódio, reduzi-lo a um
dejeto, a um puro objeto de rejeição.
O ciberassédio não tem hora
Hoje o assédio escolar não
se limita mais ao pátio do recreio, ele acontece igualmente nas redes sociais.
O assédio consiste em fazer circular imagens da vítima, em comentá-las e também
a insultá-la, a humilhá-la, fazer chacota dela compartilhando com outros via facebook
ou outras redes. Isso faz aumentar os rumores, provocando uma onda de riso que,
como um eco, se dilata no pequeno mundo dos adolescentes. Isso amplifica também
o impacto psicológico para aquele que o sofre. Não há então corte entre a casa
e a escola, não há mais proteção relacionada aos lugares, não há mais descanso.
O assédio está em toda parte, passa através de todos as proteções de
antigamente. É a razão pela qual a palavra assédio é a mais apropriada para
significar esse fenômeno. Ele constitui assim uma espécie de armadilha que
funciona sozinha, verdadeiro flagelo de um ódio ordinário, de uma mensagem
idiota que Marion, como podemos ler no livro de sua mãe, recebeu na véspera da
sua morte, por SMS: “Vai te enforcar, será uma pessoa a menos
amanhã!”
Responsabilidades
Podemos portanto nos
preocupar com a fragilidade de alguns adolescentes que “não entram no
jogo” da vítima e do carrasco. O trote dos calouros, outra fórmula que
coloca em cena o carrasco e sua vítima, como modo de acolher nesses lugares
fechados que são as universidades, é proibido desde 1998 e sua função de
“rito de passagem” é muito diferente daquilo que encontramos no
assédio escolar. Preocupar-se com uma certa fragilidade na adolescência seria
uma denegação do que é ser um adolescente!
Existem hoje leis que
protegem os adultos do assédio no trabalho ou na esfera privada do casal,
reconhecendo seu poder de destruição. Porque não nos espaços escolares? A
resposta a essa pergunta está no jornal Le Monde: “O problema do
ciberassédio é que ele não depende realmente do Ministério da Educação. É uma
problemática que se situa entre as aéreas privada e pública. Os alunos não
deveriam ter smartfones dentro da escola” (3), destaca Justine Atlan,
diretora da Associação e-Enfance. CQD.
Infelizmente, o livro de
Nora Fraisse mostra a que ponto a responsabilidade e o apoio do Ministério da
Educação não se fizeram presentes no caso de sua família que queria saber
porque Marion tinha chegado a atuar o empuxo-à-morte do qual ele era vítima.
Trata-se aqui, no entanto, de um traço de ódio no cotidiano, ódio que ficou em
silêncio por aqueles que conviviam com ela, como se, de fato, aquele que sofre
esse ódio deveria conhecer a sua causa e se virar com ele.
O que matou Marion, foi esse
silêncio dos adultos sobre o assédio, silencio que hoje sua mãe denuncia.
1 : Fraisse
N., Marion, 13 ans pour toujours, Paris, Calmann-Lévy, 2015.
2 : Lacan J.,
Le Séminaire, livre XX, Encore, Paris, Seuil, 1975, p. 91.
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