sábado, 26 de setembro de 2015

A face odiosa do bullying escolar

Uma família para todos…, a crônica de Hélène Bonnaud
 
O lançamento do livro de Nora Fraisse (1) que conta, num texto emocionante, a maneira pela qual sua filha Marion de 13 anos resolveu suicidar-se depois de ter sofrido perseguições dos colegas de escola, interpelou de novo a mídia e os políticos a respeito do bullying escolar. O que esse fenômeno do bullying evoca para nós?
 
Ser vítima da maldade
 
Sempre houve bodes expiatórios, crianças vítimas da maldade de alguns alunos e que sofriam em silêncio por repetidas humilhações. Essas condutas sempre existiram no mundo escolar onde, mais que em outro lugar, se verifica a violência entre pares, fundamentada no gozo de humilhar, de insultar, espezinhar aquele que se toma como vítima. E quem é psicanalista sabe qual o impacto que isso tem para o futuro desses sujeitos que, no decorrer da sua análise, testemunham os momentos em que se tornaram vítima de uns, alvo de troça de outros, o corpo sendo frequentemente o objetivo destes escárnios, destas humilhações. De fato, qualquer diferença, qualquer sinal de particularidade no corpo pode assumir um valor negativo e, de repente, se transformar num insulto ou numa humilhação (o gordo, o ruivo, o baixinho, o crespo, etc.)
 
Perseguição
 
Hoje, parece que esse fenômeno tomou uma outra extensão, atingindo não somente os atributos do corpo, mas também a degradação do sujeito. Os insultos não querem somente rebaixar o sujeito pelo corpo que ele tem, mas buscam aniquilar o sujeito enquanto ser. Eles não atingem mais um defeito do corpo, mas o capturam pelo que constitui o real de cada um, o sexo, a origem, a morte.
 
Nesse contexto, o significante vítima só pode se ligar ao significante perseguição. De fato, quando num grupo surgem esses comportamentos que consistem em tocar o ser de um sujeito, rebaixando-o, insultando-o, degradando-o, temos aqui o que chamamos de perseguição. Wikipédia dá esta definição: “Uma perseguição é um tipo de opressão que consiste em aplicar a uma pessoa ou a um grupo de pessoas medidas ou tratamentos injustos, violentos ou cruéis, por razões de ordem ideológicas, políticas, religiosas ou ainda raciais”. É preciso acrescentar razões da ordem do ódio. Realmente, o ódio puro não precisa se apoiar sobre uma diferença estabelecida. Ela tem o seu fundamento no desejo de morte.

O ódio toca o ser. Ele quer destruir. Ele quer matar. É a terrível mensagem que deixa Marion em sua carta. Ela diz isso claramente e sua mãe retoma: “as palavras matam”.
 
A psicanálise diz a mesma coisa. Ela tem um saber sobre o poder das palavras, o poder de destruição das palavras. Ela ensina que tudo o que se diz que toca o ser de um sujeito – criança ou adulto – que busca aniquilá-lo, pode levar a graves danos e até mesmo levá-lo ao pior.
 
Lacan falava do “ódio sólido” (2). Há no assédio alguma coisa que coloca em jogo esse ódio sólido, que se dirige ao ser. Resta saber como prevenir esse fluxo de gozo que busca atingir o objeto a daquele que sofre o assédio. Atingir o objeto a de um sujeito, este é o objetivo do ódio, reduzi-lo a um dejeto, a um puro objeto de rejeição.
 
O ciberassédio não tem hora
 
         Hoje o assédio escolar não se limita mais ao pátio do recreio, ele acontece igualmente nas redes sociais. O assédio consiste em fazer circular imagens da vítima, em comentá-las e também a insultá-la, a humilhá-la, fazer chacota dela compartilhando com outros via facebook ou outras redes. Isso faz aumentar os rumores, provocando uma onda de riso que, como um eco, se dilata no pequeno mundo dos adolescentes. Isso amplifica também o impacto psicológico para aquele que o sofre. Não há então corte entre a casa e a escola, não há mais proteção relacionada aos lugares, não há mais descanso. O assédio está em toda parte, passa através de todos as proteções de antigamente. É a razão pela qual a palavra assédio é a mais apropriada para significar esse fenômeno. Ele constitui assim uma espécie de armadilha que funciona sozinha, verdadeiro flagelo de um ódio ordinário, de uma mensagem idiota que Marion, como podemos ler no livro de sua mãe, recebeu na véspera da sua morte, por SMS: “Vai te enforcar, será uma pessoa a menos amanhã!”
 
Responsabilidades
 
Podemos portanto nos preocupar com a fragilidade de alguns adolescentes que “não entram no jogo” da vítima e do carrasco. O trote dos calouros, outra fórmula que coloca em cena o carrasco e sua vítima, como modo de acolher nesses lugares fechados que são as universidades, é proibido desde 1998 e sua função de “rito de passagem” é muito diferente daquilo que encontramos no assédio escolar. Preocupar-se com uma certa fragilidade na adolescência seria uma denegação do que é ser um adolescente!
 
Existem hoje leis que protegem os adultos do assédio no trabalho ou na esfera privada do casal, reconhecendo seu poder de destruição. Porque não nos espaços escolares? A resposta a essa pergunta está no jornal Le Monde: “O problema do ciberassédio é que ele não depende realmente do Ministério da Educação. É uma problemática que se situa entre as aéreas privada e pública. Os alunos não deveriam ter smartfones dentro da escola” (3), destaca Justine Atlan, diretora da Associação e-Enfance. CQD.
 
         Infelizmente, o livro de Nora Fraisse mostra a que ponto a responsabilidade e o apoio do Ministério da Educação não se fizeram presentes no caso de sua família que queria saber porque Marion tinha chegado a atuar o empuxo-à-morte do qual ele era vítima. Trata-se aqui, no entanto, de um traço de ódio no cotidiano, ódio que ficou em silêncio por aqueles que conviviam com ela, como se, de fato, aquele que sofre esse ódio deveria conhecer a sua causa e se virar com ele.
 
         O que matou Marion, foi esse silêncio dos adultos sobre o assédio, silencio que hoje sua mãe denuncia.
 
1 : Fraisse N., Marion, 13 ans pour toujours, Paris, Calmann-Lévy, 2015.
2 : Lacan J., Le Séminaire, livre XX, Encore, Paris, Seuil, 1975, p. 91.

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