quarta-feira, 4 de março de 2009

Considerações sobre a Anorexia

Thaïs Moraes Correia
Psicanalista, Aderente da Delegação Geral do Maranhão e Escola Brasileira de Psicanálise-EBP

A primeira questão que os médicos costumam se fazer diante da anorexia é a ausência de “sintomas”. Há uma perda de peso auto-induzida por restrição alimentar que acontece de forma insidiosa sem a presença de febre, dor ou qualquer fraqueza.

Esses casos servem bem para pensarmos a diferença ente sintoma médico (que faz alarde, anuncia que algo não vai bem) do sintoma para a Psicanálise — insidioso e cifrado por entre as palavras: serve como ponto de significação.

Na medicina não há até o momento uma teoria etiológica da anorexia nervosa. Na teoria psicanalítica, especialmente nos idos 40 e 50 tinha-se uma visão de que a anorexia enquanto histeria de conversão simbolizava o repúdio à sexualidade. Alguns psicanalistas falavam em fantasias de gravidez oral.

Com Lacan podemos compreender a anorexia de outra forma. Nesses casos há uma demanda muda, silenciosa que deve ser acolhida. A paciente mantém uma relação anormal com a comida, sabe que arrisca sua vida, mas mantém esse saber fora da dimensão discursiva. Isto porque na anorexia há uma recusa dos deslizamentos significantes como se o desejo estivesse fragmentado pela fala — daí a deslibidinização que geralmente surge na adolescência quando emerge o enigma da sexualidade.

No caso da anorexia, o que se passa no corpo, não passa pelo discurso. O fato da pessoa ser escravo do não-comer também a leva a outra escravidão: do não-dizer. Há então uma fixação auto-erótica, o refúgio do sujeito num gozo suplementar.

É necessário uma intervenção — para que o sujeito pare de gozar. Cuspir significantes faz o sujeito trocar um gozo mudo por palavras. E de que a anoréxica goza? Exatamente de não comer nada, do (re)encontro com o nada.

Tanto nas toxicomanias como no FPS e nos transtornos alimentares há um gozo suplementar equivalente à pulsão da morte como se a dimensão do desejo estivesse esvaziada.

Numa análise, na vertente do amor de transferência, o sujeito pode encontrar o desejo que vai lhe permitir recusar o gozo excessivo.

“A anoréxica insiste no seu gozo comendo nada. O sintoma anoréxico, mais do que todo sintoma, contém um gozo que denuncia um apetite de inércia e morte. Assim, a demanda da anoréxica é muda, pois o Outro materno a esmagou pela engorda, empanturrando-a. De boca cheia, não se fala”.

Há uma fixação oral pela via do sujeito anoréxico? Fixação é um sujeito agarrado a um modo de gozo, quando ele deveria ultrapassa-lo, substituir por um outro modo de gozo. Uma análise vai provocar mudança inclusive na complexidade das pulsões: de mais de gozar a objeto causa de desejo.

Na anorexia há um horror desse corpo magérrimo que é provocado no outro.

As mães das anoréxicas são totalizantes e o que a anoréxica faz é “esburacar” a mãe nas palavras de Sara Fux.

Qual é a possibilidade de análise ai no caso dos sujeitos anoréxicos?

Uma paciente me procurou — estava com 36 quilos e só se alimentava de caldo de peixe e farelos de pão. Mostrava-se sem interesse inclusive de retornar ao consultório. Não se queixava, nem demandava nada a mim que como terapeuta lhe dava conforto e conselhos. Eu lhe dava alimento, enquanto o que ela queria era “nada”.Caberia mais ai uma psicanálise, pois é “o vazio da boca de um analista que a anoréxica, mais que ninguém, sabe que melhor satisfaz do que qualquer alimento”, nos diz Eliane Schermann.

A anorexia denuncia a questão da feminidade nos dias atuais. Se por um lado, as mulheres têm direitos ampliados por todas as esferas do social, há um massacre que aponta para um ideal de eu encarnado por esqueléticas top models.

Esse então é um drama moderno?

Nem tanto assim.

Vejamos o que acontece na Bulimia. Esse termo foi usado pela primeira vez em 1482 — como “aspiração de devorar” — e que como a anorexia, tornou-se um sintoma da moda. Preferimos chamá-las de sintoma social. Mosel, assim define :

«Por sintoma social se designa um problema comum a uma série de indivíduos em um dado momento da história, identificável como tal, mas enigmático quanto às suas causas e que represente um perigo ou um custo importante para a sociedade».

A bulimia se torna nos ano 70 um sintoma da moda, considerando inicialmente, como epidêmico, de início associado à anorexia, depois distinguido desta.

Pensando nesses sintomas é necessário falarmos do gozo aí implicado.



Na psicanálise, entende-se gozo, aquilo que não serve para nada. “Trata-se do nada que o anoréxico come, que o obsessivo coleciona e o histérico demanda — nos diz Christian Dunker.

É o nada que inclusive orienta a ação do analista: “pois se o amor é dar o que não se tem é bem certo que o sujeito possa esperar que se lhe dê, posto que um psicanalista não tem outra coisa que dar-lhe. Mas inclusive esse nada, ele não o dá, e mais vale assim: e por esse nada se lhe pagam”.

— Podemos então dizer que a forma como o sujeito lida com o nada, é a forma como ele produz seu sintoma.

O falo aponta para a falta enquanto que o objeto-mais-de-gozar nos aponta para o nada. Apesar de ambos abordarem a negatividade estão em oposição.

— Como uma análise caminha no sentido de fortalecer o recalque, haverá um esvaziamento de gozo que condicionará uma dessubjetivação — falta-a-ser — oposta então a nadificação que anoréxica usa como emblema de sua vida.

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