segunda-feira, 30 de março de 2009

Politicas do Sinthoma e o desejo do analista

Iordan Gurgel, Psiquiatra; Analista Membro da Associação Mundial de Psicanálise; Membro e Presidente da Escola Brasileira de Psicanálise

I - Política
Política é um significante que se refere mais ao universal e está sustentado nos ideais, sistemas e utopias, em contraponto ao particular da clínica e mais ainda do sujeito. A questão inicial é como pensar uma política do sinthoma?
Esta questão está, não só no âmago da experiência analítica – é a política da direção do tratamento, função do desejo do analista – mas também se constitui como determinante na diferença entre as orientações dos grupos analíticos. Por exemplo, a política da orientação lacaniana do final de análise como identificação ao sintoma se opõe à identificação ao analista da orientação da IPA. Mas, também nos diferenciamos da política da ciência, do discurso do mestre e seu consentâneo, o capitalista, que opera com o fantasma, com o fetiche, e enfrentamos o senso comum, que diz existir coisas obscuras que devem ser esclarecidas.
A posição política de Lacan, diz Miller , era ser contra tudo que é a favor, porque ...a política procede por identificação, ela manipula significantes mestres... para manipular o sujeito. Poderiamos então deduzir que a política vai contra a psicanálise, que busca a queda das identificações do sujeito, esvaziar o gozo do sintoma e atravessar a fantasia que impulsionava seu destino. Mas, paradoxalmente o inconsciente é a política! disse Lacan para chamar atenção da estrutura do inconsciente: trans-individual, sintonizada com o discurso do Outro e dessubstanciada, que mais se assemelha com uma relação, ou com algo que se produz em uma relação, assim como na política.
Lacan, na Direção do tratamento, diz que o analista é menos livre em sua estratégia do que em sua tática e mais: ele é menos livre ainda no que domina a estratégia e a tática, isto é, a política. Formular uma ética que elevasse o desejo do analista ao vértice da experiência era a consigna deste texto que predominou em toda obra e clínica de Lacan. A força deste instrumento na direção do tratamento procede de tudo o que o analista não deve fazer e consiste em não se servir da força que lhe dá a situação de linguagem instituída pela demanda do sujeito que sofre . Lacan foi enfático: é o desejo do analista que mantém a direção da análise; ele dirige a cura e não o paciente, condição necessária para estabelecer uma política do sinthoma.
Anos depois, em A Terceira, Lacan reafirma : o poder é sempre um poder ligado à palavra...a política repousa sobre o fato de que todo mundo fica demasiado contente em ter alguém que lhe diga: em frente, marche – aliás sem se importar para onde. No discurso do mestre há alguém que faz semblante de comandar e isto é da estrutura mesma deste discurso em oposição ao discurso do analista.

II – Política do Sintoma

Toda a produção humana (cultura, religião, ciência), pode ser entendida a partir da falha estrutural do simbólico em relação ao real. A política se revela como uma modalidade particular de modalizar o encontro com o real . Uma outra maneira de pensá-la é como a possibilidade de poder se convier com o diferente e para tanto é necessário que este diferente mude de posição, o que nos aproxima da concepção do sintoma com o qual devemos conviver em uma parceria infinita e que não nos faça sofrer como dantes.
A importância da psicanálise está em intervir, desde a subjetividade do sujeito, naquilo que lhe faz sintoma a partir da vida cotidiana. O sintoma é o que denuncia que há o real, que nem tudo é construído e programado, além de ser o elemento verdadeiramente clínico, considerando que as formações do inconsciente: sonho, lapso, chiste, ato falho não são motivos de tratamento . Em um primeiro momento ele é reconhecido, endereçado ao Outro; é um dado elemento da realidade social compartilhada. Lacan o define como um fato – dado fundamental da experiência analítica – e tomá-lo como fato é colocá-lo no âmbito da política.
O acontecimento Freud introduziu o reconhecimento das pulsões e a questão quanto à satisfação: o mal-estar, as doenças e os sintomas, que são substitutos da satisfação das pulsões. Em conseqüência, se o sintoma é uma satisfação disfarçada, é possível decifrá-lo e esta era a política freudiana para o sintoma, que esbarrou no rochedo da castração. É, para Freud, a condição de ser sobredeterminado e ocultar uma verdade, que o sintoma estaria fadado a sempre perseguir um sentido e escapar dele, acrescentou Lacan.
Assim, a política do sintoma, fundante da clínica psicanalítica, é sua inserção clínica do sentido gozado (que está na fala), que é decifrável, enquanto formação propriamente semântica. A aparente resolução deste sintoma esbarra na constatação que mesmo quando decifrado ele persiste o que nos remete a uma nova formulação de sua política.

III – Políticas do Sinthoma:

Um passo a mais é considerar a política do sinthoma, que implica um avanço conceitual a partir do final do ensino de Lacan, que contempla a conjunção do atravessamento do fantasma à identificação ao sintoma, mas principalmente a separação entre o real e o fora sentido. Esta condição é de uma relevância extraordinária, porque nos ajuda a pensar a relação entre a psicanálise pura e aplicada, demonstrando mais aproximações que separações e afastando-as definitivamente das psicoterapias . A psicanálise pura é como deveria ser – se conclui com o Passe – e a aplicada é tal como é. Esta é a psicanálise aplicada ao sintoma que é reduzido de gozo, mas não se atinge o fantasma para atravessa-lo . A psicanálise pura é levada até suas últimas conseqüências, até um ponto de detenção que se apresenta como algo particular a cada sujeito que passou pela experiência: um despertar, um entusiasmo, uma iluminação, uma verdade, um encontro, enfim um ponto de real, uma suposição de saber no real .
Esta nova concepção política é tributária da enunciação de Lacan (em Joyce, o sintoma): o gozo próprio ao sintoma exclui o sentido – isto é demonstrado na experiência analítica quando se verifica a impotência da interpretação. O sintoma não é uma metáfora, mas funciona como um ponto de basta quanto a metonímia do desejo – ele faz barreira ao desejo. Mesmo decifrado o sintoma subsiste – esta é a política própria ao sintoma, persistir. A política do sinthoma não inclui a clínica apenas como tudo o que se diz em uma análise, e sim como o impossível de dizer, de suportar e se baseia no modelo obsessivo do sintoma – é fundamentalmente real já que resiste ao dizer. É sintoma não porque tem uma significação e sim porque se repete . Algo se resolve do sintoma não porque se encontrou uma significação última, mas porque se encontrou o impossível de se explicar.
No seminário O sinthoma, a teoria do nó borromeu é reforçada com a introdução do sinthoma como o quarto nó que enlaça o RSI (e sempre ameaça desfazer-se). Agora o sinthoma é colocado no centro da clínica e já não se faz a diferença entre sintoma e fantasma – é a política da recusa do sentido que aponta para o real, correlativo ao conceito de falasser .
Dizer política do sinthoma e associá-la à psicanálise pura extrapola o campo da política institucional para tomá-la no mais íntimo da relação analítica e fazê-la tributária do desejo do analista. Trata-se de uma política da direção do tratamento e suas conseqüências, que ultrapassa a lógica edípica, passa pela operação redução, que permite ir além da interpretação, põe um limite ao sentido, e nos defronta com a passagem do inconsciente transferencial para o real .

IV - Desejo do Analista:

A passagem do sintoma para sinthoma necessita de um operador, o desejo do analista. Em relação a psicanálise pura a política é esta transformação. Podemos pensar o desejo do analista enquanto função analítica que estabelece a política da direção da cura e vai de encontro a rebeldia do sintoma. É um desejo que não se sustenta no fantasma – este já foi atravessado e incorporado no sinthoma – tampouco está impregnado do gozo do sintoma, e sim modulado por um saber fazer aí; é o desejo de separar o sujeito de suas identificações, dos significantes amos que o coletiviza.
Um exemplo clínico, a partir de um relato de Passe , nos apresenta um sujeito que vivia em dificuldades na sua relação com o grupo analítico – não estar a altura de suas tarefas. O surgimento do desejo do analista a partir de uma intervenção do analista, dentro de um contexto político-sintomático, levou-o a questionar se isso era possível de demonstrar e transmitir. Ao perceber que o trabalho analítico produziu uma mudança em sua posição subjetiva, antes sustentada pelo horror ao saber, deu um passo adiante e, ao considerar-se como exceção no grupo, abriu-lhe as portas para defrontar-se com o Outro barrado e aparecesse a perda de gozo que sustentava sua posição no grupo. O que apresentamos como ilustrativo é o que foi destacado pelo sujeito: pôr o desejo do analista – em sua vertente clínica e epistêmica – à prova e trabalhar pela Escola, constituindo-se assim, no caso, uma passagem da política-sintoma para a Escola-Sinthoma.
Para se instituir uma política do sinthoma é necessário verificar sua aplicabilidade considerando os princípios do ato analítico :
- O analista não se identifica com nenhum dos papéis que o analisante queira que ele represente, tampouco com nenhum ideal da civilização. Nenhum lugar pode lhe ser atribuído a não ser o da questão sobre o desejo.
- A decifração do sentido nas trocas entre analisante e analista não é só o que está em jogo.
- Quando o analisante fala, ele quer, para além do sentido daquilo que diz, alcançar no Outro o parceiro de suas expectativas, crenças e desejos. Ele visa o parceiro de sua fantasia. O psicanalista esclarecido pela experiência sobre a natureza de sua própria fantasia, leva isso em conta. Ele se abstém de agir em nome dessa fantasia.
- Não há tratamento standard. A experiência da psicanálise tem apenas uma regularidade: a da originalidade do cenário através do qual se manifesta a singularidade subjetiva e a produção de sua singularidade, sua exceção.
- A melhor definição da duração do tratamento é «sob medida». Um tratamento é levado adiante até que o analisante esteja suficientemente satisfeito com aquilo do qual fez a experiência. Visa-se não a aplicação de uma norma, mas sim um ajuste do sujeito consigo mesmo.
- A relação entre os sexos não tem uma solução que possa ser «para todos». Nesse sentido, ela permanece marcada com o selo do incurável, nela, sempre haverá algo que falha. O sexo, no ser falante, decorre do «não-todo».
- É no passe que o analista atesta a superação de seus impasses.
Se na política do social é o povo que sempre paga os gastos do acontecimento político para a política do sinthoma, no âmbito da psicanálise pura, o analista paga com seu desejo – renúncia ao desejo de poder, que lhe impõe não se utilizar dos meios que ele dispõe, a sugestão e a identificação – ao ser causado e trabalhar pela causa analítica, implicando-se, não só com a clínica, mas também com o Outro social e o compromisso com sua época.
Estamos na política, seja na formação do analista, na direção do tratamento e suas conseqüências: a psicanálise aplicada, a psicanálise pura e o Passe. Mas, especialmente, la política del analista es la del sinthoma, eso que le permite situarse más allá del ideal unificante y de la norma adaptativa que el Otro quiere implantar .

Citado por Miller em O.Lacaniana 40, p. 11.
Conforme Xavier Esqué, Una política del síntoma. XI Jornadas Castellano-Leonesas de Psicoanalisis.

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