sexta-feira, 24 de abril de 2009

O CARNAVAL DOS MEDOS

Jacques-Alain Miller

Le Point: Pesticidas, poluição do ar, antenas retransmissoras, telefones celulares, reaquecimento climático, recessão....Por que, em nossas sociedades ocidentais, o medo parece progredir mais que alhures ?

Jacques-Alain Miller: Porque são as mais « tecnicizadas ». O sociólogo Ulrich Beck o mostrou, a técnica dá à luz uma « sociedade do risco » : quando você se desloca a cavalo, tudo depende de sua própria habilidade e de seu conhecimento do animal em questão ; quando você toma um avião, sua segurança está fora de você, pois sua vida depende de uma rede de sistemas complexos nos quais você deve confiar a priori. Mas a sociedade do risco se torna uma sociedade do medo desde que a ciência cesse de inspirar confiança. É o caso dos dias de hoje : cada um está intimamente persuadido de que o grande « sujeito suposto saber » não sabe tudo, que ele é furado como um gruyère e que avança e produz às cegas.

Nossas sociedades só aceitam o risco sob condição de quantificá-lo : a gente se pergunta quantos cânceres serão provocados pelos pesticidas ou pelos telefones celulares....

Com efeito. O sujeito suposto saber tem agora o desafio de prever o futuro. Amanhã não se fará mais apenas o diagnóstico das doenças que vocês tiverem, elas lhes serão preditas a partir da decodificação do genoma de vocês. Disso decorre a emergência de novos medos, inéditos, puros produtos do cálculo estatístico.

Nossa saúde e, em particular, nossa alimentação, é o que mais nos preocupa. Como o senhor explica esse medo?

É o que resulta do « pôr-se em segurança » como atitude fundamental do homem contemporâneo. Cada um é para si mesmo seu bem mais precioso. Cada um se relaciona consigo mesmo como com um objeto, com um ter, não com um ser. O impasse é que a saúde é perfeitamente aleatória. Não há ciência da saúde, dizia Canguilhem, o epistemólogo da biologia. A saúde é um mito.

Fala-se de indivíduos medrosos, podemos também falar de sociedades medrosas ?

O medo é a paixão das sociedades de mercado. Há sociedades na quais se mata ou nos matamos por um nada, nas quais a vida conta pouco aos olhos da vingança e em que domina o desdém para com a morte. Uma vez que o comércio apagou o sentido do sagrado e o ponto de honra, qual é único soberano bem que lhes resta? É o bem- estar. Doravante, o que domina é o desejo de cada um de se pôr ao abrigo, em segurança. A insegurança se torna o mal absoluto. O culto da felicidade engendra o reino do medo. Não mais se compreende a morte, recusa-se inclusive o envelhecimento, sonha-se em fazer a eternidade descer à terra e em benefício do indivíduo.

O homem brinca de se amedrontar?

Sim, esse carnaval dos medos tem certamente uma dimensão lúdica : um medo enxota o outro, há medos que estão na moda, inventa-se medos, o público pede medo. Mas o que não é uma brincadeira, é, aquém desses medos multiformes e sempre renascentes, o que eles expressam e camuflam a um só tempo : uma angústia social difusa cujo objeto está velado.

E de onde provém essa angústia ?

Da tecnização generalizada da existência. Doravante, ela polui as próprias fontes da vida, está em condições de remanejar a natureza da espécie. Suspeitamos que o avanço irresistível da ciência esteja, sem o saber, a serviço da pulsão de morte. O medo da bomba atômica não é mais o que era, porém, o último de nossos medos midiáticos datados é mais sutil, insinua-se no mais íntimo : recessão alarmante da produção espermática, crescimento indevido dos cânceres do testículo e das malformações masculinas. Pois bem, aí está o objeto escondido da angústia. SOS – falo !

Tradução : Vera A. Ribeiro

Nenhum comentário: