Jacques-Alain
Miller lê
Une semaine de
vacances
Fragmentos selecionados e
estabelecidos por Christiane Alberti da intervenção de J.-A. Miller, no sábado,
20 de abril, por ocasião das conversações, leituras e projeções animadas por Christine
Angot no Teatro Sorano de
Toulouse, de 18 a 21 abril de 2013. O evento foi filmado e será
retransmitido pela La Règle du jeu.
«Une
semaine de vacances1 mostra que não
aguentamos mais o pai. Li como um apólogo para os dias atuais, um apólogo de
nosso ‘saco cheio’ do pai. Ele nos fez entender porque é
preciso sair do reinado do pai. O pai, esta ferida, teve seu tempo e hoje é
obsoleto. O pai incestuoso é um personagem bem conhecido da literatura, no
entanto, aqui se trata de outra coisa: é o romance do pai enquanto impossível
de suportar. A este respeito, ele é real, um efeito de sentido paradoxalmente
real. «Ela» (pois neste romance os protagonistas são designados somente pelos
pronomes ele e ela) gravita em torno deste real, ela é totalmente voltada para
ele. O girassol é heliotrópico, ela é mostrada como paternotrope, até chegar à
eclipse do pai ao final do romance. É o romance do que Lacan chamou de a père-version, o tropismo ao pai .
Como se libertar do pai? É possível livrar-se dele? Esta é a questão constante
de Lacan. Seu ponto de partida foi o Nome-do-pai, colocado como
função, do Seminário III ao Seminário IV, para dar conta das psicoses,
neuroses e perversões, mas não do que seria normal. Desde o Seminário VI,
percebe-se que o conceito de desejo desloca as linhas do Édipo. Este Seminário
que data de meio século – O desejo e sua
interpretação2, é contemporâneo de Une semaine de vacances.
O desejo tem não nada a ver com instinto, guia da vida infalível, que vai
direto ao ponto, que conduz o sujeito em direção ao objeto de sua necessidade,
que convém à sua vida e à preservação de sua espécie. Mesmo se este busca seu
parceiro em sua realidade comum, o objeto de desejo se situa na fantasia de
cada um. O Seminário busca explicitar a dimensão do fantasia: neste nível, há,
entre o sujeito e o objeto um ou bem, ou bem. No nível do que
se considera conhecimento, os dois, sujeito e objeto são adaptados um ao outro,
há cooptação, coincidência, até mesmo fusão intuitiva dos dois. Na fantasia,
por outro lado, não há este acordo, mas uma falha específica do sujeito diante
do objeto de sua fascinação – um certo perder o fôlego. Lacan fala de fading do sujeito, do momento em que este não pode se nomear. Isto é
representado no romance pelo fato de que as pessoas não são nomeadas, ficam
anônimas, e as qualidades do pai e da filha são expressas de forma furtiva. Há
somente a famosa «diferença sexual».
Há, no Seminário, uma frase que diz: «O pudor é a forma nobre do que se
apresenta, no sintoma, como vergonha e nojo», compreendamos que o pudor é a
barreira que nos impede quando estamos a caminho do real. Une semaine de vacances vai além da
barreira do pudor e avança na zona onde habitualmente opera o sintoma através
da vergonha e do nojo.
Aí, encontramos um pai, o Ele do romance, que odeia o desejo: ele se ocupa do gozo. Na medida em que
provoca seu eclipse ao final: Ela lhe conta um sonho, é uma mensagem de desejo a ser decifrada, e
imediatamente, seu humor muda: Ele fica indignado, chateado, furioso. Ele se vai, fica amuado. O desejo,
sob a forma do sonho, vem estragar a fixidez de seu gozo. Fixidez que suporta a
repetição, que Camille Laurens explora seus poderes alhures. Aqui, o gozo
retorna como um cântico insistente. A clivagem entre desejo e gozo se torna
palpável, sendo o gozo uma bússola infalível, diferentemente do desejo.
O pai manifesta sua vontade de transmitir um ideal, ele brinca de supereu. Os
limites do pudor são franqueados e, ao mesmo tempo, restituídos de forma
derrisória no nível do vocabulário – o pai cumpre a função de tudo bem dizer,
fazendo disto a perversão.
Estamos nos tempos de sair da era do pai. Se há um livro que me tenha dado esta
sensação de forma mais viva, este é Une semaine de
vacances. É emblemático do que estamos vivendo.
Freud salvou o pai, enquanto que, segundo Lacan, o pai é para ser interpretado
em termos da perversão. Vemos, no Seminário VI, que o Édipo não é a única
solução do desejo: esta é a sua forma padronizada, e sua prisão. O Édipo é
patogênico.
Une semaine de vacances reatualiza este avanço do Seminário
de Lacan. O desejo de Ela se emancipa graças ao mutismo e à raiva do pai. Ao final do romance, ela
se encontra numa estação onde o único elemento familiar, heimlich, é sua mala. O texto se encerra com estas frases: «Ela o olha. E ela
lhe fala». A mala substitui o pai, como objeto pequeno a. É aí onde agora está seu endereço, aí onde se aloja o sujeito suposto
saber. Será sua mala que lhe interpretará seu sonho.
1Angot Ch., Une semaine de vacances, Flammarion, 2012.
2Lacan
J., Le
Séminaire, livre VI, Le
désir et son interprétation, texte établi
par Miller J.-A., La Martinière & Le Champ freudien, à paraître en juin
2013.
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