A SAÚDE PARA TODOS, NÃO SEM A LOUCURA DE CADA UM:PERSPECTIVAS DA PSICANÁLISE
11 e 12 de Junho 2011 - Rio de Janeiro
Informações e inscrições:http://www.ebp.org.br/enapol
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
terça-feira, 9 de novembro de 2010
Psicanálise na TV Cultura
Neste mês de novembro, a TV Cultura exibirá a série Invenção do Contemporâneo "A psicanálise do Século XXI: Lacan para desesperados da crise", promovida pela CPFL Cultura, sob a curadoria de Jorge Forbes, a partir do dia 16, depois do Roda Viva:
16/11 - 00:30h, de segunda para terça-feira - Joel Birman - Novas subjetivações e o mal estar na contemporaneidade.
23/11 – 00:30h, de segunda para terça-feira - Alain Grosrichard – Mal estar na globalização: Lacan e as luzes.
30/11 – 00:30h, de segunda para terça-feira - Jorge Forbes - Jacques Lacan e a psicanálise do Século XXI.
16/11 - 00:30h, de segunda para terça-feira - Joel Birman - Novas subjetivações e o mal estar na contemporaneidade.
23/11 – 00:30h, de segunda para terça-feira - Alain Grosrichard – Mal estar na globalização: Lacan e as luzes.
30/11 – 00:30h, de segunda para terça-feira - Jorge Forbes - Jacques Lacan e a psicanálise do Século XXI.
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Alice e o buraco no inconsciente
Cristina Vidigal
Texto publicado no boletim da Rede CEREDA que qual trabalha com criança no discurso analítico. Os artigos são um aquecimento para o encontro que se realizará no dia 18/11 em São Paulo.
Há uma criança numa tarde quente e preguiçosa e, no entredormir, algo estranho, mas familiar, atravessa. Um coelho com esse detalhe singular: ele fala! Na verdade, Lewis Carroll é ainda mais sutil, Alice não estranha que o coelho fale, mas que ele tire um relógio do bolso do colete. Aí realmente temos o mais familiar (na época) tomado como o mais estranho, e vice versa, tal como no trabalho do sonho que sabe ser a via régia do inconsciente.
Enfim, o coelho fala e, como todos os coelhos, ele corre. Corre como a língua e ele não tem tempo, mesmo porque ninguém tem. Seres mortais, e mais do que isso, falasseres, seres que falam e sabem sobre a morte e estão no entrever do vórtex do sexual que começa a assumir uma significação que engole todas as outras, isto é, a significação fálica, como diz Lacan no Seminário RSI.
Então, seguir isso, como toda criança ao mesmo tempo curiosa e preguiçosa, significa se deparar com um buraco, como tal e como toca. Não recuar implica cair e atravessar esse buraco, com um recurso tão travesso como é a linguagem. Ir usando esse recurso muitas vezes implica em prolongar essa travessia para que um tecido seja construído, um tecido que contenha essa queda. Ir produzindo esse percurso é ir forrando-o com um tecido que é feito/efeito de língua. Daí as produções do inconsciente que aparecem como imagens, mas que são trocadilhos, repetições, contradições que coexistem, operações em ritornelo sem saída, um enigma multidimensional com a ossatura de palavras cruzadas, mas que em vez de estarem no miolo, só revestem o vivo, o que pulsa, o que jorra, e faz mais buraco e segue... e é preciso que o próprio sujeito vá operando com tudo isso.
Inconsciente e sintoma
O interessante de pensarmos a idéia de um buraco no inconsciente é tomarmos a noção de buraco, por um lado, como uma noção lógica e, por outro, como uma noção tópica. O que vemos em Alice são buracos que produzem passagens, para cenas e lugares por vezes inteiramente diferentes, com lógicas, sensações e problemas diferentes. Então, podemos ter o campo do real que acolhe o sintoma, e o campo da linguagem, que é condição do inconsciente. E, entre eles, uma passagem.
Quando falamos de um buraco no inconsciente podemos trabalhar campos heterogêneos, mas que podem manter entre si certa consistência, ou até mesmo certa coerência. Lacan nos diz que inconsciente e sintoma têm coerência e consistência entre si, mas que um não se reduz ao outro.
“O sintoma não é definível de outro modo que da maneira em que cada um goza do inconsciente enquanto o inconsciente o determina”[4]. A noção de que sintoma e inconsciente são heterogêneos, mas podem manter laços de consistência, permeia o campo de idéias de um Lacan tardio que não indica para o falasser outra saída que não aquela de encontrar uma forma melhor de lidar com o impossível do seu próprio gozo.
A idéia de Lacan é que o sintoma é uma saída, uma construção, pois na medida em que o sujeito fala, ele abre a possibilidade de não estar mais preso ao peso de um único referente – este referente de peso, sabemos, é o falo.
O trabalho de se contar uma história, de articular um campo de ficção, de construir um romance familiar pode ser importante para uma criança conseguir se orientar no campo do gozo, deixando o gozo de lalangue. Os jogos com a língua de que todos desfrutamos, não os tomamos apenas na vertente da graça, mas na seriedade com que Lacan os toma quando aproxima, por exemplo, l’une bévue de Unbewusste (equivocação/inconsciente), marcando a importância da equivocação desde o título de seu seminário, L’insu que sait de l’une bevue. L’Insu que sait, o não sabido que sabe, que soa como o insucesso, o fracasso. Destacamos desse título a dimensão do inconsciente como equivocação. Não se trata aí de tradução, mas de apontar para o trabalho de redução a um signo no final de análise que já não está para ser decifrado, que não está para encontrar algo da ordem do sentido, mas que diz de um impossível.
O trabalho do sintoma
A época vitoriana em que viveu Lewis Carroll caracterizava-se pelos ditos moralizantes que tentavam regrar o gozo pela via do sentido. Carroll joga com a língua não de uma forma que é pura lalangue. Quando uma das meninas lhe pede para que conte uma história “sem pé nem cabeça” – puro gozo do sem sentido e, portanto, negação das diferenças, puro exercício do não querer saber nada disso –, ele conta uma história absolutamente referenciada.
Encontramos a sofisticação do trabalho com a língua que o aproxima de um Joyce, que o aproxima do trabalho do sintoma. Um dos exemplos disso está na simples troca de uma letra que estoura todo o sentido e a “moral da história”, mantendo a sonoridade/seriedade da composição. Este trabalho de cifração de sua obra não serve apenas para revelar a arbitrariedade do signo, mas assinala o buraco escamoteado no sentido, indica o real. Assim, quando troca o p pelo s na fórmula moral vigente na época, ele promove uma demolição do sentido corrente da linguagem, que faria sua aposta num universal para os falasseres. “Take care of de sense and the sounds will take care of themselves” no lugar de “take care of the pence and the pounds will take care of themselves” (traduzindo ao pé da letra o ditado diz: “cuide do centavo e o dinheiro cuidará de si mesmo” e Carroll, trocando uma única letra, produz: “cuide do sentido e o som cuidará de si mesmo”). Ele usa a própria palavra “sentido” (sense) para apontar logicamente a falha da fórmula vitoriana com uma graça impressionante e ainda fazendo com que o nonsense desvele algo estrutural na linguagem.
Nos dois livros de Alice, Carroll faz com que esses jogos ocupem grande parte da narrativa. Como no diálogo entre Alice e o rei branco: para ela ninguém está vindo pela estrada; para o Rei, Ninguém (isto é, alguém está vindo). Aliás, a questão da identidade é uma constante nos relatos de Alice.
Nestes jogos com a língua, o inconsciente joga com um buraco, uma abertura, mas por ser principalmente uma operação de linguagem, não fornece ao sujeito um campo de identidade. O sintoma sim, ao produzir um modo de gozar do inconsciente. O jogo do inconsciente seria mais um jogo de determinação, enquanto o jogo do sintoma se afasta um pouco disso ao jogar mais próximo da letra. Lacan destaca a importância de um jogo de articulações e diferenças, de conjunção e disjunção entre inconsciente e real.
Inconsciente: decifração versus equivocação
Lacan propõe o inconsciente não como mera produção (de lapsos, chistes, etc.), mas como pura equivocação, uma equivocação que o inconsciente produz antes que um sujeito lhe dê um sentido. O foco muda do campo do Outro e privilegia a dimensão do Um, da equivocação, dos azares, do acaso, por oposição à tendência determinista própria da operação do inconsciente ao produzir sentido, e mesmo vários. A questão não é a multiplicidade de sentidos, mas que essa possibilidade da multiplicidade revele algo do real, do impossível.
Assim, um pouco para nos divertir, um pouco para convidá-los a dar um passeio com os conceitos, e para que tiremos um excesso de importância que damos a eles, pois um passeio é um pouco criar um pequeno intervalo, vou trazer uma das pequenas história formuladas por Carroll:
“Era uma vez uma coincidência que saiu a passeio em companhia de um pequeno acidente. Enquanto passeavam encontraram uma explicação, uma velha explicação, tão velha que já estava toda encurvada e encarquilhada que mais parecia uma charada.”[5] Essa pequena história poderia se assemelhar a uma das idéias que temos do sintoma do qual passamos a nos queixar: essa charada/enigma, efeito do encarquilhamento de uma explicação velha e desgastada em seu encontro com uma coincidência e um pequeno acidente quando saíram para dar uma voltinha. Uma velha explicação com cara de charada, tal me pareceu uma ilustração divertida do trabalho do inconsciente como estamos acostumados em sua vertente de ciframento. A coincidência e o pequeno acidente apontando para o acaso, e o encontro como resultado dessa voltinha, o que revelaria as duas faces do inconsciente e sua afinidade com o sintoma, poeticamente orquestrado por Lewis Carroll.
Mas, sabemos que ter em mente os ensinamentos do passe apontam que visitar inúmeras vezes numa análise essa charada, ou esse enigma que esse nosso parceiro (o sintoma) se torna, faz com que ele mostre seu outro lado e finalmente revele algo da função do Unbewusste, quando se trata do inconsciente/equivocação e não do inconsciente decifração[6].
Sintoma e inconsciente: disjuntos e solidários
Em Lacan, primeiro o sintoma é tratado como uma formação do inconsciente, depois ele se desprende das formações do inconsciente para ligar-se à repetição, carregando a marca do pulsional. Lacan articula essa marca com a pulsação temporal do inconsciente, tal como o formula no Seminário 11. Um terceiro momento destaca a marca de gozo do sintoma.
Quais seriam então as formas de articulação entre sintoma e inconsciente na criança? Em quê e por que precisam jogar, por vezes, no mesmo campo? Em quê e por que será necessário marcar suas diferenças essenciais? Penso que essas questões podem começar a ser articuladas nos trabalhos ao nosso II Encontro da Nova Rede CEREDA, em novembro em São Paulo, para o qual convido a todos.
____________________
[4] Lacan, J. Seminário RSI. Lição de 18 de fevereiro de 1975. Inédito.
[5] Leite, S. Em: Alice no país das maravilhas. São Paulo: Summus, 1980, p. 26.
[6] Cf. Torres, M. El fracaso del inconsciente, amor al síntoma. Buenos Aires: Grama, 2008.
Texto publicado no boletim da Rede CEREDA que qual trabalha com criança no discurso analítico. Os artigos são um aquecimento para o encontro que se realizará no dia 18/11 em São Paulo.
Há uma criança numa tarde quente e preguiçosa e, no entredormir, algo estranho, mas familiar, atravessa. Um coelho com esse detalhe singular: ele fala! Na verdade, Lewis Carroll é ainda mais sutil, Alice não estranha que o coelho fale, mas que ele tire um relógio do bolso do colete. Aí realmente temos o mais familiar (na época) tomado como o mais estranho, e vice versa, tal como no trabalho do sonho que sabe ser a via régia do inconsciente.
Enfim, o coelho fala e, como todos os coelhos, ele corre. Corre como a língua e ele não tem tempo, mesmo porque ninguém tem. Seres mortais, e mais do que isso, falasseres, seres que falam e sabem sobre a morte e estão no entrever do vórtex do sexual que começa a assumir uma significação que engole todas as outras, isto é, a significação fálica, como diz Lacan no Seminário RSI.
Então, seguir isso, como toda criança ao mesmo tempo curiosa e preguiçosa, significa se deparar com um buraco, como tal e como toca. Não recuar implica cair e atravessar esse buraco, com um recurso tão travesso como é a linguagem. Ir usando esse recurso muitas vezes implica em prolongar essa travessia para que um tecido seja construído, um tecido que contenha essa queda. Ir produzindo esse percurso é ir forrando-o com um tecido que é feito/efeito de língua. Daí as produções do inconsciente que aparecem como imagens, mas que são trocadilhos, repetições, contradições que coexistem, operações em ritornelo sem saída, um enigma multidimensional com a ossatura de palavras cruzadas, mas que em vez de estarem no miolo, só revestem o vivo, o que pulsa, o que jorra, e faz mais buraco e segue... e é preciso que o próprio sujeito vá operando com tudo isso.
Inconsciente e sintoma
O interessante de pensarmos a idéia de um buraco no inconsciente é tomarmos a noção de buraco, por um lado, como uma noção lógica e, por outro, como uma noção tópica. O que vemos em Alice são buracos que produzem passagens, para cenas e lugares por vezes inteiramente diferentes, com lógicas, sensações e problemas diferentes. Então, podemos ter o campo do real que acolhe o sintoma, e o campo da linguagem, que é condição do inconsciente. E, entre eles, uma passagem.
Quando falamos de um buraco no inconsciente podemos trabalhar campos heterogêneos, mas que podem manter entre si certa consistência, ou até mesmo certa coerência. Lacan nos diz que inconsciente e sintoma têm coerência e consistência entre si, mas que um não se reduz ao outro.
“O sintoma não é definível de outro modo que da maneira em que cada um goza do inconsciente enquanto o inconsciente o determina”[4]. A noção de que sintoma e inconsciente são heterogêneos, mas podem manter laços de consistência, permeia o campo de idéias de um Lacan tardio que não indica para o falasser outra saída que não aquela de encontrar uma forma melhor de lidar com o impossível do seu próprio gozo.
A idéia de Lacan é que o sintoma é uma saída, uma construção, pois na medida em que o sujeito fala, ele abre a possibilidade de não estar mais preso ao peso de um único referente – este referente de peso, sabemos, é o falo.
O trabalho de se contar uma história, de articular um campo de ficção, de construir um romance familiar pode ser importante para uma criança conseguir se orientar no campo do gozo, deixando o gozo de lalangue. Os jogos com a língua de que todos desfrutamos, não os tomamos apenas na vertente da graça, mas na seriedade com que Lacan os toma quando aproxima, por exemplo, l’une bévue de Unbewusste (equivocação/inconsciente), marcando a importância da equivocação desde o título de seu seminário, L’insu que sait de l’une bevue. L’Insu que sait, o não sabido que sabe, que soa como o insucesso, o fracasso. Destacamos desse título a dimensão do inconsciente como equivocação. Não se trata aí de tradução, mas de apontar para o trabalho de redução a um signo no final de análise que já não está para ser decifrado, que não está para encontrar algo da ordem do sentido, mas que diz de um impossível.
O trabalho do sintoma
A época vitoriana em que viveu Lewis Carroll caracterizava-se pelos ditos moralizantes que tentavam regrar o gozo pela via do sentido. Carroll joga com a língua não de uma forma que é pura lalangue. Quando uma das meninas lhe pede para que conte uma história “sem pé nem cabeça” – puro gozo do sem sentido e, portanto, negação das diferenças, puro exercício do não querer saber nada disso –, ele conta uma história absolutamente referenciada.
Encontramos a sofisticação do trabalho com a língua que o aproxima de um Joyce, que o aproxima do trabalho do sintoma. Um dos exemplos disso está na simples troca de uma letra que estoura todo o sentido e a “moral da história”, mantendo a sonoridade/seriedade da composição. Este trabalho de cifração de sua obra não serve apenas para revelar a arbitrariedade do signo, mas assinala o buraco escamoteado no sentido, indica o real. Assim, quando troca o p pelo s na fórmula moral vigente na época, ele promove uma demolição do sentido corrente da linguagem, que faria sua aposta num universal para os falasseres. “Take care of de sense and the sounds will take care of themselves” no lugar de “take care of the pence and the pounds will take care of themselves” (traduzindo ao pé da letra o ditado diz: “cuide do centavo e o dinheiro cuidará de si mesmo” e Carroll, trocando uma única letra, produz: “cuide do sentido e o som cuidará de si mesmo”). Ele usa a própria palavra “sentido” (sense) para apontar logicamente a falha da fórmula vitoriana com uma graça impressionante e ainda fazendo com que o nonsense desvele algo estrutural na linguagem.
Nos dois livros de Alice, Carroll faz com que esses jogos ocupem grande parte da narrativa. Como no diálogo entre Alice e o rei branco: para ela ninguém está vindo pela estrada; para o Rei, Ninguém (isto é, alguém está vindo). Aliás, a questão da identidade é uma constante nos relatos de Alice.
Nestes jogos com a língua, o inconsciente joga com um buraco, uma abertura, mas por ser principalmente uma operação de linguagem, não fornece ao sujeito um campo de identidade. O sintoma sim, ao produzir um modo de gozar do inconsciente. O jogo do inconsciente seria mais um jogo de determinação, enquanto o jogo do sintoma se afasta um pouco disso ao jogar mais próximo da letra. Lacan destaca a importância de um jogo de articulações e diferenças, de conjunção e disjunção entre inconsciente e real.
Inconsciente: decifração versus equivocação
Lacan propõe o inconsciente não como mera produção (de lapsos, chistes, etc.), mas como pura equivocação, uma equivocação que o inconsciente produz antes que um sujeito lhe dê um sentido. O foco muda do campo do Outro e privilegia a dimensão do Um, da equivocação, dos azares, do acaso, por oposição à tendência determinista própria da operação do inconsciente ao produzir sentido, e mesmo vários. A questão não é a multiplicidade de sentidos, mas que essa possibilidade da multiplicidade revele algo do real, do impossível.
Assim, um pouco para nos divertir, um pouco para convidá-los a dar um passeio com os conceitos, e para que tiremos um excesso de importância que damos a eles, pois um passeio é um pouco criar um pequeno intervalo, vou trazer uma das pequenas história formuladas por Carroll:
“Era uma vez uma coincidência que saiu a passeio em companhia de um pequeno acidente. Enquanto passeavam encontraram uma explicação, uma velha explicação, tão velha que já estava toda encurvada e encarquilhada que mais parecia uma charada.”[5] Essa pequena história poderia se assemelhar a uma das idéias que temos do sintoma do qual passamos a nos queixar: essa charada/enigma, efeito do encarquilhamento de uma explicação velha e desgastada em seu encontro com uma coincidência e um pequeno acidente quando saíram para dar uma voltinha. Uma velha explicação com cara de charada, tal me pareceu uma ilustração divertida do trabalho do inconsciente como estamos acostumados em sua vertente de ciframento. A coincidência e o pequeno acidente apontando para o acaso, e o encontro como resultado dessa voltinha, o que revelaria as duas faces do inconsciente e sua afinidade com o sintoma, poeticamente orquestrado por Lewis Carroll.
Mas, sabemos que ter em mente os ensinamentos do passe apontam que visitar inúmeras vezes numa análise essa charada, ou esse enigma que esse nosso parceiro (o sintoma) se torna, faz com que ele mostre seu outro lado e finalmente revele algo da função do Unbewusste, quando se trata do inconsciente/equivocação e não do inconsciente decifração[6].
Sintoma e inconsciente: disjuntos e solidários
Em Lacan, primeiro o sintoma é tratado como uma formação do inconsciente, depois ele se desprende das formações do inconsciente para ligar-se à repetição, carregando a marca do pulsional. Lacan articula essa marca com a pulsação temporal do inconsciente, tal como o formula no Seminário 11. Um terceiro momento destaca a marca de gozo do sintoma.
Quais seriam então as formas de articulação entre sintoma e inconsciente na criança? Em quê e por que precisam jogar, por vezes, no mesmo campo? Em quê e por que será necessário marcar suas diferenças essenciais? Penso que essas questões podem começar a ser articuladas nos trabalhos ao nosso II Encontro da Nova Rede CEREDA, em novembro em São Paulo, para o qual convido a todos.
____________________
[4] Lacan, J. Seminário RSI. Lição de 18 de fevereiro de 1975. Inédito.
[5] Leite, S. Em: Alice no país das maravilhas. São Paulo: Summus, 1980, p. 26.
[6] Cf. Torres, M. El fracaso del inconsciente, amor al síntoma. Buenos Aires: Grama, 2008.
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
Luta contra a regulamentação da Psicanálise
Aqueles que se interessam sobre a luta contra a regulamentação da psicanálise, encontrarão no site da EBP, no link http://www.ebp.org.br/contra_regulamentacao.html , um texto de Samyra Assad e outros links referentes ao assunto.
terça-feira, 15 de junho de 2010
Curso: Experiência Psicanalítica e Saúde Mental
Datas:27-28/08; 24-25/09; 22-23/10; 05-06/11
Periodicidade: mensal
Duração: 4 meses
Local: Sede do CEPP
Valor do curso: inscrição + 4 parcelas de R$ 150,00
Inscrições R$ 150,00
Aderentes terão 50% de desconto
Vagas limitadas
FICHA DE INSCRIÇÃO:
Curso: Experiência Psicanalítica e Saúde Mental
Nome completo: _____________________________________
Endereço:__________________________________________
CEP: _______________Cidade: _______________UF_____
Telefones:_______________celular:__________________
E-mail:___________________________________________
Profissão:_______________________________________
Categoria:
( ) Membros e Aderentes
( ) Não Aderentes
Banco do Brasil
Agência: 4708-2
Conta Corrente: 7.671-6
Em nome de: Maria Lídia M. Noronha Pessoa
Enviar ficha de inscrição junto com fotocópia do comprovante de depósito para o e-mail: cepp.teresina@gmail.com
Observações: Serão aceitas somente inscrições com depósito bancário direto no caixa e concluída com o envio para o e-mail do CEPP, constando ficha de inscrição e comprovante de pagamento.
Valor do curso: inscrição + 4 parcelas de R$ 150,00
Vagas limitadas
segunda-feira, 7 de junho de 2010
"A invenção do delírio", in El saber delirante. Buenos Aires: Paidós, 2009. [Colección del Instituto Clínico de Buenos Aires]
Miller, Jacques-Alain.
Trata-se de uma conferência sobre o tema “Delírio e fenômeno elementar”, desenvolvida no Seminario-Coloquio de la Sección Clínica de Buenos Aires em 1995. Esta resenha recorta as principais articulações do autor que contemplam o tema do XVIII Encontro Brasileiro.
O delírio é um discurso articulado – esta fórmula pode ser depreendida do ensino de Lacan, segundo Miller. Por ser uma combinação de elementos, é possível destacar no conjunto do discurso delirante os elementos mínimos e primeiros que serviram de base para a construção, desenvolvimento e elaboração do delírio. Assim, o fenômeno elementar e o delírio são considerados como "elementos comuns a todo ser falante", e é uma maneira de generalizar o conceito de delírio. Como todo "eu" é delirante, "um delírio pode ser considerado como um realce do que cada um traz em si" (p.81), propondo a escrita deliryo, no idioma espanhol.
O binômio fenômeno elementar-delírio é aqui explorado, desde a lógica matemática, ao considerar os fenômenos elementares funcionando como axiomas de partida para o discurso demonstrativo, e desde a psiquiatria, quando Miller recupera De Clérambault e as articulações de Lacan sobre este binômio em vários momentos de seu ensino.
O delírio tem a mesma estrutura que o fenômeno elementar, como acontece com a folha em relação à planta: ela tem os mesmos traços de estrutura da planta a que ela pertence. Esta metáfora é utilizada por Lacan no texto "A direção do tratamento e os princípios de seu poder" (Escritos). Ao analisar o sonho da "Bela Açougueira", ele demonstra que este sonho, de uma histérica, é capaz de indicar "toda a planta da histeria", ou seja, o conjunto da neurose está presente numa formação do inconsciente, num único elemento. Então, a formação do inconsciente está para a neurose como o fenômeno elementar está para a psicose. É possível apropriar-se da estrutura mediante uma boa extração de um fragmento.
"O fenômeno elementar está estruturado e sua estrutura é a da linguagem, tal como a do delírio. Em geral, se pode dizer que o delírio é um fenômeno elementar e que o fenômeno elementar é um delírio, já que ambos estão estruturados como uma linguagem." (p.88)
Seguindo Lacan, Miller aproxima mais um binômio: alucinação-interpretação. Apesar das diferenças fenomenológicas, pelo viés da estrutura da linguagem, uma alucinação verbal responde a esta mesma estrutura; por isso, nesse nível, a diferença pouco importaria, uma vez que a estrutura de linguagem está presente tanto na alucinação como na interpretação. No texto “Resposta ao comentário de Jean Hyppolite sobre a ‘Verneinung’ de Freud” (Escritos), Lacan sustenta, num outro nível, a distinção entre elas com os exemplos do Homem dos Lobos e do Homem dos Miolos Frescos: no primeiro, a falta de um significante na estrutura do sujeito faz com que o foracluído retorne no real, enquanto que, no segundo, um exemplo de acting out, a falta de um significante na interpretação do analista faz com que surja na conduta do sujeito aquilo que ele não pode entender, “a recusa de uma relação oral não simbolizada que retorna como se fosse uma alucinação” (p.89). Miller, cuidadosamente, conclui: “quase podemos supor que há uma foraclusão”.
Penso que estes exemplos generalizam a foraclusão, que em cada caso, em princípio, seria possível identificar o foracluído, porque em algum nível ele retorna. A título de observação, remeto ao próprio Miller em seu Seminário Los signos del goce (1986-1987), pois lá ele também trabalha estes dois exemplos, junto com Schreber, depois de propor a foraclusão generalizada, nome do capítulo XXII, localizando em cada caso o que está foracluído e de que maneira acontece este retorno.
Para concluir, a formulação de que todo saber é delírio e que todo delírio é um saber, é baseada na concepção do significante. S1 é sempre elementar, ou seja, “não sabe o que significa”, sua significação somente pode surgir com S2, interpretando-o. “Escutando repetir o que afirma Lacan sobre o interessante da invenção de saber, o psicótico se apresentaria como o delirante que não retrocede diante da elaboração de saber, com o elemento de delírio que sempre há nesta invenção” (p.94). O neurótico tem em si o S2 de que necessita, ele sabe o que dizer. “Por que não traduzir desta forma a foraclusão do Nome do Pai, a foraclusão deste S2 que permite ao neurótico decifrar tudo sem perplexidade?” (p.96)
Carmen Silvia Cervelatti
AMP-EBP (SP)
XVIII Encontro Brasileiro do Campo Freudiano
O sintoma na clínica do delírio generalizado
Trata-se de uma conferência sobre o tema “Delírio e fenômeno elementar”, desenvolvida no Seminario-Coloquio de la Sección Clínica de Buenos Aires em 1995. Esta resenha recorta as principais articulações do autor que contemplam o tema do XVIII Encontro Brasileiro.
O delírio é um discurso articulado – esta fórmula pode ser depreendida do ensino de Lacan, segundo Miller. Por ser uma combinação de elementos, é possível destacar no conjunto do discurso delirante os elementos mínimos e primeiros que serviram de base para a construção, desenvolvimento e elaboração do delírio. Assim, o fenômeno elementar e o delírio são considerados como "elementos comuns a todo ser falante", e é uma maneira de generalizar o conceito de delírio. Como todo "eu" é delirante, "um delírio pode ser considerado como um realce do que cada um traz em si" (p.81), propondo a escrita deliryo, no idioma espanhol.
O binômio fenômeno elementar-delírio é aqui explorado, desde a lógica matemática, ao considerar os fenômenos elementares funcionando como axiomas de partida para o discurso demonstrativo, e desde a psiquiatria, quando Miller recupera De Clérambault e as articulações de Lacan sobre este binômio em vários momentos de seu ensino.
O delírio tem a mesma estrutura que o fenômeno elementar, como acontece com a folha em relação à planta: ela tem os mesmos traços de estrutura da planta a que ela pertence. Esta metáfora é utilizada por Lacan no texto "A direção do tratamento e os princípios de seu poder" (Escritos). Ao analisar o sonho da "Bela Açougueira", ele demonstra que este sonho, de uma histérica, é capaz de indicar "toda a planta da histeria", ou seja, o conjunto da neurose está presente numa formação do inconsciente, num único elemento. Então, a formação do inconsciente está para a neurose como o fenômeno elementar está para a psicose. É possível apropriar-se da estrutura mediante uma boa extração de um fragmento.
"O fenômeno elementar está estruturado e sua estrutura é a da linguagem, tal como a do delírio. Em geral, se pode dizer que o delírio é um fenômeno elementar e que o fenômeno elementar é um delírio, já que ambos estão estruturados como uma linguagem." (p.88)
Seguindo Lacan, Miller aproxima mais um binômio: alucinação-interpretação. Apesar das diferenças fenomenológicas, pelo viés da estrutura da linguagem, uma alucinação verbal responde a esta mesma estrutura; por isso, nesse nível, a diferença pouco importaria, uma vez que a estrutura de linguagem está presente tanto na alucinação como na interpretação. No texto “Resposta ao comentário de Jean Hyppolite sobre a ‘Verneinung’ de Freud” (Escritos), Lacan sustenta, num outro nível, a distinção entre elas com os exemplos do Homem dos Lobos e do Homem dos Miolos Frescos: no primeiro, a falta de um significante na estrutura do sujeito faz com que o foracluído retorne no real, enquanto que, no segundo, um exemplo de acting out, a falta de um significante na interpretação do analista faz com que surja na conduta do sujeito aquilo que ele não pode entender, “a recusa de uma relação oral não simbolizada que retorna como se fosse uma alucinação” (p.89). Miller, cuidadosamente, conclui: “quase podemos supor que há uma foraclusão”.
Penso que estes exemplos generalizam a foraclusão, que em cada caso, em princípio, seria possível identificar o foracluído, porque em algum nível ele retorna. A título de observação, remeto ao próprio Miller em seu Seminário Los signos del goce (1986-1987), pois lá ele também trabalha estes dois exemplos, junto com Schreber, depois de propor a foraclusão generalizada, nome do capítulo XXII, localizando em cada caso o que está foracluído e de que maneira acontece este retorno.
Para concluir, a formulação de que todo saber é delírio e que todo delírio é um saber, é baseada na concepção do significante. S1 é sempre elementar, ou seja, “não sabe o que significa”, sua significação somente pode surgir com S2, interpretando-o. “Escutando repetir o que afirma Lacan sobre o interessante da invenção de saber, o psicótico se apresentaria como o delirante que não retrocede diante da elaboração de saber, com o elemento de delírio que sempre há nesta invenção” (p.94). O neurótico tem em si o S2 de que necessita, ele sabe o que dizer. “Por que não traduzir desta forma a foraclusão do Nome do Pai, a foraclusão deste S2 que permite ao neurótico decifrar tudo sem perplexidade?” (p.96)
Carmen Silvia Cervelatti
AMP-EBP (SP)
XVIII Encontro Brasileiro do Campo Freudiano
O sintoma na clínica do delírio generalizado
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terça-feira, 1 de junho de 2010
Loucura ou Perversão?
Claudia Figaro-Garcia, Correspondente da EBP-SP
Biagi-Chai, ao relatar a história de Henri-Desirée Landru, que assassinou dez mulheres e um jovem e incinerou seus corpos em uma fornalha de sua casa de campo, na França, no final do século XIX, provoca uma discussão: seria essa uma psicose ou uma perversão? De acordo com o livro, Landru não sabia qual era seu lugar na família, e este teria sido o gatilho para o desencadeamento dos atos criminosos. Biagi-Chai comenta que em sua megalomania havia separação entre ação e ambição. Tem-se início a sua máscara social. Sempre foi visto como responsável e bom pai. Mas é justamente a confusão que Landru faz entre o que é ser Patriarca e não Pai que inicia os sintomas, os quais caracterizam mais uma psicose do que uma perversão. Ao se colocar como Patriarca, posiciona-se como alguém que não vacila, que não apresenta furos ou imperfeições — assim, com a função paterna excedida, o sujeito se torna ele próprio a lei. A concepção delirante de família produz uma missão psicótica — sustento da família — de extrema responsabilidade, cuja lógica conduzirá Landru ao ato criminoso. A megalomania aumenta, assim como a indiferença pelo a’.
Para a autora, a família é como um trabalho para Landru, um significante privado de sua função de ideal, privado de realidade. Família define um dever, um dever com significação privada. A lei pessoal de Dever é seu delírio. Apresentava-se como “comerciante de móveis”, para viúvas, solteiras, mulheres sem família e com dote. Na opinião de Lacan, no filme Monsieur Verdoux, estrelado por Charles Chaplin em 1947, e que se baseou na história de Landru, o personagem selecionava as vítimas. Sua esposa e a amante Fernande pertenciam ao grupo vital. Esta, única a não ser assassinada por ele, além de não querer um marido provedor, mantinha uma relação muito forte com a mãe. As mulheres assassinadas integravam o grupo funcional, as mulheres de que necessitava. O dinheiro que estas deixaram garantirá o sustento da família de Landru.
A mãe de Landru parecia seu único ponto de apoio, estabelecendo-se assim a matriz da identificação imaginária de sua psicose: mãe sem falhas, como a amante. No julgamento, Landru nega tudo e seu discurso frio não demonstrava arrependimento. Foi avaliado por psiquiatras que não diagnosticaram psicose, atribuindo-lhe responsabilidade pelos crimes. Todavia, a certeza delirante, a necessidade de não ter falhas levaram Landru ao ato criminoso. Para a autora, ele avança em um Real sem véu, encarnando a lei. Seus significantes mestres não se articulavam a um saber, não passavam pelo desejo. Respondiam a um postulado delirante: sustentar a família. Na perversão, os criminosos sexuais gozam com o sofrimento do outro, pois driblam o Nome-do-Pai. O que impera é a Lei pessoal. Talvez isso, ter uma lei pessoal, seja algo que aproxime a psicose e a perversão, provocando uma confusão que dificulta um diagnóstico diferencial.
XVIII Encontro Brasileiro do Campo Freudiano
O sintoma na clínica do delírio generalizado
Biagi-Chai, ao relatar a história de Henri-Desirée Landru, que assassinou dez mulheres e um jovem e incinerou seus corpos em uma fornalha de sua casa de campo, na França, no final do século XIX, provoca uma discussão: seria essa uma psicose ou uma perversão? De acordo com o livro, Landru não sabia qual era seu lugar na família, e este teria sido o gatilho para o desencadeamento dos atos criminosos. Biagi-Chai comenta que em sua megalomania havia separação entre ação e ambição. Tem-se início a sua máscara social. Sempre foi visto como responsável e bom pai. Mas é justamente a confusão que Landru faz entre o que é ser Patriarca e não Pai que inicia os sintomas, os quais caracterizam mais uma psicose do que uma perversão. Ao se colocar como Patriarca, posiciona-se como alguém que não vacila, que não apresenta furos ou imperfeições — assim, com a função paterna excedida, o sujeito se torna ele próprio a lei. A concepção delirante de família produz uma missão psicótica — sustento da família — de extrema responsabilidade, cuja lógica conduzirá Landru ao ato criminoso. A megalomania aumenta, assim como a indiferença pelo a’.
Para a autora, a família é como um trabalho para Landru, um significante privado de sua função de ideal, privado de realidade. Família define um dever, um dever com significação privada. A lei pessoal de Dever é seu delírio. Apresentava-se como “comerciante de móveis”, para viúvas, solteiras, mulheres sem família e com dote. Na opinião de Lacan, no filme Monsieur Verdoux, estrelado por Charles Chaplin em 1947, e que se baseou na história de Landru, o personagem selecionava as vítimas. Sua esposa e a amante Fernande pertenciam ao grupo vital. Esta, única a não ser assassinada por ele, além de não querer um marido provedor, mantinha uma relação muito forte com a mãe. As mulheres assassinadas integravam o grupo funcional, as mulheres de que necessitava. O dinheiro que estas deixaram garantirá o sustento da família de Landru.
A mãe de Landru parecia seu único ponto de apoio, estabelecendo-se assim a matriz da identificação imaginária de sua psicose: mãe sem falhas, como a amante. No julgamento, Landru nega tudo e seu discurso frio não demonstrava arrependimento. Foi avaliado por psiquiatras que não diagnosticaram psicose, atribuindo-lhe responsabilidade pelos crimes. Todavia, a certeza delirante, a necessidade de não ter falhas levaram Landru ao ato criminoso. Para a autora, ele avança em um Real sem véu, encarnando a lei. Seus significantes mestres não se articulavam a um saber, não passavam pelo desejo. Respondiam a um postulado delirante: sustentar a família. Na perversão, os criminosos sexuais gozam com o sofrimento do outro, pois driblam o Nome-do-Pai. O que impera é a Lei pessoal. Talvez isso, ter uma lei pessoal, seja algo que aproxime a psicose e a perversão, provocando uma confusão que dificulta um diagnóstico diferencial.
XVIII Encontro Brasileiro do Campo Freudiano
O sintoma na clínica do delírio generalizado
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sexta-feira, 14 de maio de 2010
Um hospital sem sinthoma (ou a casa dos objetos a)
Marcelo Veras
Psicanalista, Membro da EBP (BA)
A Saúde Mental é barrada, pois a soma de seus discursos não aponta para a promessa do Um holístico do ser biopsicossocial. Isolados, cada um em seu canto, esses discursos chegam a fazer semblante de promover o enlace do falasser em sofrimento com o mundo que o rodeia. Contudo, o real em jogo faz cair todos os semblantes. Ele emerge quando a cacofonia desses discursos, em um hospital psiquiátrico, por exemplo, faz reverberar o objeto a que lhes escapa.
Minha passagem pela direção do Hospital Juliano Moreira, na Bahia, se deu no momento em que, na expectativa do resultado do passe, me perguntava o que um analista da AMP poderia fazer em tal instituição. A degradação das condições humanas me fazia ver que não mais estávamos nos tempos do paciente reduzido ao objeto de algum discurso prevalente, tal como aprendera em minhas leituras de Foucault. Percebia que, como efeito colateral da prática entre vários, o paciente fora reduzido não a um objeto, mas a objetalidade, conceito que Lacan evoca no Seminário da Angústia para tratar o objeto a caído de qualquer discurso.
A objetivação da loucura está na base discursiva da maioria dos movimentos de inspiração basagliana que impulsionaram a reforma psiquiátrica no Brasil e em todo mundo. Contudo, Lacan toma a questão por outra perspectiva. Opõe ao termo objetividade o termo objetalidade. Não se trata de buscar o objeto como “o último termo do pensamento cientifico ocidental”, ou seja, o objeto que pode ser alcançado e manipulado pela ciência. Ao contrário, a objetalidade coloca em evidência o “pathos do corte”, a pura perda e desconexão com o vivente.
Com Lacan, aprendemos a valorizar os pequenos objetos que os pacientes internados carregam consigo. São pequenos embrulhos sem valor aparente, pedaços de papel com escrituras incompreensíveis, enfim, uma enorme quantidade de objetos guardados como preciosidades por muitos loucos e que não são recolhidos pelo Outro institucional. São eles, finalmente, a irrupção do objeto a no real, já que não são separados do corpo por nenhum discurso[1].
O louco é reduzido a objeto a quando é extirpado do laço social e segregado em instituições psiquiátricas degradadas, onde o fracasso dos semblantes expõe apenas fragmentos da loucura, sem nenhum sinthoma de amarração. É aí que constatamos que o louco é segregado por nos revelar o mais íntimo de nós mesmos, ele é nosso objeto a apenas em sua função de resto, uma vez que é alteridade que não se converte em causa de desejo.
Caminhando pelos corredores, encontrávamos fezes, seios expostos, pinturas e escritos nas paredes. O corpo estava exposto ao olhar indiferente da equipe, dos vigilantes e mesmo dos outros pacientes. A nudez não era revestida de nenhum conteúdo erótico, era pura carne. O olhar e a voz estavam igualmente presentes. A arquitetura era feita para que nada escapasse ao olhar, tal como o panopticum de Bentham. Porém, tratava-se de um olhar cego, já que era incapaz de ver o paciente para além da tarefa de disciplinar. Os gritos traziam o objeto voz em sua função áfona, pois eram tantos que ninguém mais os ouvia.
Concluí que o apagamento da condição subjetiva naquele hospital era correlato à explosão do corpo em múltiplos objetos a, restos subumanos que impregnavam a instituição por todos os seus poros. A falta, precisamente, de um discurso estabelecido fazia com que esses objetos, presentes no oco da arquitetura hospitalar, pudessem apenas ser mostrados. Eles surgiam como incidências contingentes, não planejadas, que perturbavam a ordem institucional. Pensando com Foucault, percebemos que os espaços institucionais são planejados apenas para estabelecer algum modo de disciplina: espaços para as refeições, para o lazer, para a higiene, etc. [2]
Uma moldura para o objeto
Uma das primeiras iniciativas, ao assumir a direção do hospital, foi realizada pelo antropólogo visual Stéphane Malysse[3]. Durante semanas ele filmou e fotografou o interior do hospital, deixando-se levar exclusivamente pelo que se dava a ver, sem nenhum roteiro estabelecido. O resultado desse trabalho não deve ser confundido com um estudo/denúncia da situação precária do hospital psiquiátrico em pleno século XXI. Ele é valioso por mostrar que na instituição, sua arquitetura, seus muros e grades, sua obscuridade, tudo leva ao objeto a separado de qualquer apreensão pelo discurso da clínica. Os corpos se confundiam com a arquitetura, às vezes criando insólitas mensagens, cartas das quais a instituição se negava a ser destinatária.
O resultado desse trabalho tornou-se uma grande exposição fotográfica sobre a vida cotidiana do hospital, aberta a toda a comunidade de Salvador. O evento contou com a presença de críticos de arte, jornalistas, universitários e toda uma comunidade intelectual que, de forma inédita, circulava entre as alas e pacientes, conhecendo o interior do hospital. Uma das instalações – forçosamente – mais visitadas era a “Louco pra ver”, de Stéphane Malysee. Tratava-se de uma grande tenda fechada, instalada no saguão de entrada do hospital, cujo interior era repleto de fotos tiradas durante sua pesquisa. O visitante, para entrar no hospital, tinha que passar necessariamente pelo interior da cabana, defrontando-se com as fotos. Caso não quisesse entrar, a tenda possuía orifícios que permitiam ver seu interior. Diante da tenda, foi possível elevar o objeto a na instituição à dignidade de causar a divisão subjetiva do visitante. Diante do que se dava a ver, e da dúvida sobre entrar ou não na casa dos loucos, muitos hesitavam entre olhar o objeto pelos orifícios ou diretamente no interior da cabana.
Estamos mais acostumados a encontrar iniciativas que visem ao resgate da dignidade dos pacientes através dos ideais de justiça e reparação. No caso dessa exposição, a equipe adotou uma proposta diferente. Apoiada na teoria do objeto, ela prescindiu dos ideais e confrontou a sociedade com sua própria divisão subjetiva, ao invés de fazer apelo, através dos ideais, a sua culpabilidade.
A experiência artística do “Louco pra ver” é coerente com o estatuto do objeto na contemporaneidade. A psicanálise lacaniana, precedida pelos artistas atuais, acolhe como marca de nosso tempo a ruptura da barreira dos ideais e do belo. Marie-Hélène Brousse nos chamou a atenção para o fato de que por muito tempo a imagem do belo revestia o objeto: I(A) recobria a.
Hoje, essa barreira acabou. I(A) não governa mais a abordagem do objeto pulsional pela Arte. A separação entre o Ideal e o objeto é consumida e é o a sem véu que se adianta. O artista interpreta diretamente ao modo do objeto pulsional, que corre entre os objetos comuns e anima nosso mundo, nossos corpos, nossos hábitos, nossos estilos de vida e, portanto, nossos modos de gozo[4].
Encontramos nesse comentário de Brousse uma feliz aproximação entre o artista e o louco. Ambos antecipam a psicanálise e apontam para o horizonte subjetivo de sua época[5].Quando a psicanálise se associa aos autores que apontam a queda dos ideais e a prevalência do objeto no coração da civilização, ela reafirma que não é pela vertente do sentido que se poderá obter um enquadramento para o gozo. Busca-se a escritura sem sentido e a obra de arte que não tem compromisso com o belo. Assim como é necessária a extração do objeto a nas psicoses, acreditamos que é necessário promover a extração do objeto a dos muros institucionais.
Concluo voltando ao ponto em que me lancei com afinco na direção do hospital e de sua desconstrução, após o resultado de meu passe. A resposta negativa do cartel teve o efeito imediato de me lançar na psicanálise aplicada como única possibilidade de permanência na Escola. Como não mais estava em análise, passei alguns anos interrogando o que seria uma psicanálise pura, ou mesmo se havia efetivamente feito uma.
Algum tempo depois, deparei-me novamente com as fotos dos primeiro anos do hospital. Foi então que me dei conta de que o meu olhar sobre a instituição somente se descolou do olhar de um diretor, burocrata da Saúde Mental, por que eu havia sido atravessado pela experiência da falta de sentido que apenas uma psicanálise pura pode sustentar. Nesse momento tive a convicção de que algo havia mudado no modo mesmo de pensar a psicanálise na instituição. Enquanto a burocracia visa eliminar os restos institucionais, com a psicanálise foi possível sinthomatizá-los, transformando-os no índice mesmo daquilo que apenas serve de causa para o discurso analítico. Percebi que havia reproduzido o mesmo equívoco em meu passe, visando eliminar todos os restos. Encontrar a psicanálise pura ali mesmo onde pensei estar protegido pela psicanálise aplicada foi a surpresa necessária para me levar a bater novamente na porta de meu analista.
[1] Lacan, J., “O aturdito”¸ in Outros escritos – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
[2] Foucault, M. Vigiar e Punir¸ Petrópolis: Vozes, 2004
[3] Malysse, S. Images et représentations de la folie. Salvador site: http://zwyx.org/diffusion/malysse/expo_folie.html..
[4] Brousse M-H., “O objeto de arte na época do fim do belo: do objeto ao abjeto”, in Opção Lacaniana nº52, p.174.
[5] Lacan, J. «Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise», in Escritos – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998 , p.322.
XVIII Encontro Brasileiro do Campo Freudiano
O sintoma na clínica do delírio generalizado
Psicanalista, Membro da EBP (BA)
A Saúde Mental é barrada, pois a soma de seus discursos não aponta para a promessa do Um holístico do ser biopsicossocial. Isolados, cada um em seu canto, esses discursos chegam a fazer semblante de promover o enlace do falasser em sofrimento com o mundo que o rodeia. Contudo, o real em jogo faz cair todos os semblantes. Ele emerge quando a cacofonia desses discursos, em um hospital psiquiátrico, por exemplo, faz reverberar o objeto a que lhes escapa.
Minha passagem pela direção do Hospital Juliano Moreira, na Bahia, se deu no momento em que, na expectativa do resultado do passe, me perguntava o que um analista da AMP poderia fazer em tal instituição. A degradação das condições humanas me fazia ver que não mais estávamos nos tempos do paciente reduzido ao objeto de algum discurso prevalente, tal como aprendera em minhas leituras de Foucault. Percebia que, como efeito colateral da prática entre vários, o paciente fora reduzido não a um objeto, mas a objetalidade, conceito que Lacan evoca no Seminário da Angústia para tratar o objeto a caído de qualquer discurso.
A objetivação da loucura está na base discursiva da maioria dos movimentos de inspiração basagliana que impulsionaram a reforma psiquiátrica no Brasil e em todo mundo. Contudo, Lacan toma a questão por outra perspectiva. Opõe ao termo objetividade o termo objetalidade. Não se trata de buscar o objeto como “o último termo do pensamento cientifico ocidental”, ou seja, o objeto que pode ser alcançado e manipulado pela ciência. Ao contrário, a objetalidade coloca em evidência o “pathos do corte”, a pura perda e desconexão com o vivente.
Com Lacan, aprendemos a valorizar os pequenos objetos que os pacientes internados carregam consigo. São pequenos embrulhos sem valor aparente, pedaços de papel com escrituras incompreensíveis, enfim, uma enorme quantidade de objetos guardados como preciosidades por muitos loucos e que não são recolhidos pelo Outro institucional. São eles, finalmente, a irrupção do objeto a no real, já que não são separados do corpo por nenhum discurso[1].
O louco é reduzido a objeto a quando é extirpado do laço social e segregado em instituições psiquiátricas degradadas, onde o fracasso dos semblantes expõe apenas fragmentos da loucura, sem nenhum sinthoma de amarração. É aí que constatamos que o louco é segregado por nos revelar o mais íntimo de nós mesmos, ele é nosso objeto a apenas em sua função de resto, uma vez que é alteridade que não se converte em causa de desejo.
Caminhando pelos corredores, encontrávamos fezes, seios expostos, pinturas e escritos nas paredes. O corpo estava exposto ao olhar indiferente da equipe, dos vigilantes e mesmo dos outros pacientes. A nudez não era revestida de nenhum conteúdo erótico, era pura carne. O olhar e a voz estavam igualmente presentes. A arquitetura era feita para que nada escapasse ao olhar, tal como o panopticum de Bentham. Porém, tratava-se de um olhar cego, já que era incapaz de ver o paciente para além da tarefa de disciplinar. Os gritos traziam o objeto voz em sua função áfona, pois eram tantos que ninguém mais os ouvia.
Concluí que o apagamento da condição subjetiva naquele hospital era correlato à explosão do corpo em múltiplos objetos a, restos subumanos que impregnavam a instituição por todos os seus poros. A falta, precisamente, de um discurso estabelecido fazia com que esses objetos, presentes no oco da arquitetura hospitalar, pudessem apenas ser mostrados. Eles surgiam como incidências contingentes, não planejadas, que perturbavam a ordem institucional. Pensando com Foucault, percebemos que os espaços institucionais são planejados apenas para estabelecer algum modo de disciplina: espaços para as refeições, para o lazer, para a higiene, etc. [2]
Uma moldura para o objeto
Uma das primeiras iniciativas, ao assumir a direção do hospital, foi realizada pelo antropólogo visual Stéphane Malysse[3]. Durante semanas ele filmou e fotografou o interior do hospital, deixando-se levar exclusivamente pelo que se dava a ver, sem nenhum roteiro estabelecido. O resultado desse trabalho não deve ser confundido com um estudo/denúncia da situação precária do hospital psiquiátrico em pleno século XXI. Ele é valioso por mostrar que na instituição, sua arquitetura, seus muros e grades, sua obscuridade, tudo leva ao objeto a separado de qualquer apreensão pelo discurso da clínica. Os corpos se confundiam com a arquitetura, às vezes criando insólitas mensagens, cartas das quais a instituição se negava a ser destinatária.
O resultado desse trabalho tornou-se uma grande exposição fotográfica sobre a vida cotidiana do hospital, aberta a toda a comunidade de Salvador. O evento contou com a presença de críticos de arte, jornalistas, universitários e toda uma comunidade intelectual que, de forma inédita, circulava entre as alas e pacientes, conhecendo o interior do hospital. Uma das instalações – forçosamente – mais visitadas era a “Louco pra ver”, de Stéphane Malysee. Tratava-se de uma grande tenda fechada, instalada no saguão de entrada do hospital, cujo interior era repleto de fotos tiradas durante sua pesquisa. O visitante, para entrar no hospital, tinha que passar necessariamente pelo interior da cabana, defrontando-se com as fotos. Caso não quisesse entrar, a tenda possuía orifícios que permitiam ver seu interior. Diante da tenda, foi possível elevar o objeto a na instituição à dignidade de causar a divisão subjetiva do visitante. Diante do que se dava a ver, e da dúvida sobre entrar ou não na casa dos loucos, muitos hesitavam entre olhar o objeto pelos orifícios ou diretamente no interior da cabana.
Estamos mais acostumados a encontrar iniciativas que visem ao resgate da dignidade dos pacientes através dos ideais de justiça e reparação. No caso dessa exposição, a equipe adotou uma proposta diferente. Apoiada na teoria do objeto, ela prescindiu dos ideais e confrontou a sociedade com sua própria divisão subjetiva, ao invés de fazer apelo, através dos ideais, a sua culpabilidade.
A experiência artística do “Louco pra ver” é coerente com o estatuto do objeto na contemporaneidade. A psicanálise lacaniana, precedida pelos artistas atuais, acolhe como marca de nosso tempo a ruptura da barreira dos ideais e do belo. Marie-Hélène Brousse nos chamou a atenção para o fato de que por muito tempo a imagem do belo revestia o objeto: I(A) recobria a.
Hoje, essa barreira acabou. I(A) não governa mais a abordagem do objeto pulsional pela Arte. A separação entre o Ideal e o objeto é consumida e é o a sem véu que se adianta. O artista interpreta diretamente ao modo do objeto pulsional, que corre entre os objetos comuns e anima nosso mundo, nossos corpos, nossos hábitos, nossos estilos de vida e, portanto, nossos modos de gozo[4].
Encontramos nesse comentário de Brousse uma feliz aproximação entre o artista e o louco. Ambos antecipam a psicanálise e apontam para o horizonte subjetivo de sua época[5].Quando a psicanálise se associa aos autores que apontam a queda dos ideais e a prevalência do objeto no coração da civilização, ela reafirma que não é pela vertente do sentido que se poderá obter um enquadramento para o gozo. Busca-se a escritura sem sentido e a obra de arte que não tem compromisso com o belo. Assim como é necessária a extração do objeto a nas psicoses, acreditamos que é necessário promover a extração do objeto a dos muros institucionais.
Concluo voltando ao ponto em que me lancei com afinco na direção do hospital e de sua desconstrução, após o resultado de meu passe. A resposta negativa do cartel teve o efeito imediato de me lançar na psicanálise aplicada como única possibilidade de permanência na Escola. Como não mais estava em análise, passei alguns anos interrogando o que seria uma psicanálise pura, ou mesmo se havia efetivamente feito uma.
Algum tempo depois, deparei-me novamente com as fotos dos primeiro anos do hospital. Foi então que me dei conta de que o meu olhar sobre a instituição somente se descolou do olhar de um diretor, burocrata da Saúde Mental, por que eu havia sido atravessado pela experiência da falta de sentido que apenas uma psicanálise pura pode sustentar. Nesse momento tive a convicção de que algo havia mudado no modo mesmo de pensar a psicanálise na instituição. Enquanto a burocracia visa eliminar os restos institucionais, com a psicanálise foi possível sinthomatizá-los, transformando-os no índice mesmo daquilo que apenas serve de causa para o discurso analítico. Percebi que havia reproduzido o mesmo equívoco em meu passe, visando eliminar todos os restos. Encontrar a psicanálise pura ali mesmo onde pensei estar protegido pela psicanálise aplicada foi a surpresa necessária para me levar a bater novamente na porta de meu analista.
[1] Lacan, J., “O aturdito”¸ in Outros escritos – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
[2] Foucault, M. Vigiar e Punir¸ Petrópolis: Vozes, 2004
[3] Malysse, S. Images et représentations de la folie. Salvador site: http://zwyx.org/diffusion/malysse/expo_folie.html..
[4] Brousse M-H., “O objeto de arte na época do fim do belo: do objeto ao abjeto”, in Opção Lacaniana nº52, p.174.
[5] Lacan, J. «Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise», in Escritos – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998 , p.322.
XVIII Encontro Brasileiro do Campo Freudiano
O sintoma na clínica do delírio generalizado
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XVIII Encontro Brasileiro do Campo Freudiano
sábado, 1 de maio de 2010
“O homem enérgico e vencedor é aquele que pelo próprio esforço consegue transformar em realidade seus castelos no ar. Quando este resultado não é atingido, seja por oposição do mundo exterior, seja por fraqueza do indivíduo, este se
desprende da realidade, recolhendo-se onde pode gozar, isto é, ao seu mundo de fantasia, cujo conteúdo, no caso
de moléstia, se transforma em sintoma”. (Freud, “Cinco lições de psicanálise”, vol XI, p. 47)
quinta-feira, 15 de abril de 2010
A violência urbana e as transformações familiares contemporâneas
Conferência pública de Sérgio Laia na Biblioteca Pública Piloto
Biblioteca da NEL-Medellín
A família também se faz
Entrevista da jornalista Mónica Quintero Restrepo a Sérgio Laia para o diário El Colombiano | Medellín | Publicado em 18 de fevereiro de 2010
A família também é permeada pelo tempo. Não é o mesmo, uma de 50 anos e uma de 20 ou uma atual.
Pode-se recordar a maneira, por exemplo, que muitos dos que hoje são adultos se queixam, em uma brincadeira muito séria, que quando eram crianças, a carne maior era para o pai e agora que são grandes, é para os pequenos. Uma mudança de importância ou de foco, para nomeá-lo de alguma forma.
A família sofreu transformações através do tempo, segundo o momento em que se vive. O que, sim, é claro, e talvez este não muda, é que é uma estrutura fundamental da sociedade.
É possível que o homem já não seja essa figura que dá as ordens e carrega toda a responsabilidade e que agora a mulher seja mais ativa. A construção da família é produto de seu trabalho em conjunto.
Agora, pode-se trazer um conceito de que fala o psicanalista brasileiro Sérgio Laia: "Vivemos em um momento paradoxal, o que faz com que o fato de serem pais não se reduza a procriar. Pode-se ser pai ou mãe não apenas biologicamente".
Assim, não é uma questão de por um óvulo ou um espermatozoide para ter um filho, mas tudo o que há mais além, que tem a ver com a criança, com o ensino, com o que significa realmente ser pais. Isso de compromisso, inclusive.
Desta maneira, disse Laia, quem esteve em Medellín conversando sobre a violência urbana e as transformações familiares contemporâneas, "que nem tudo se resolve biologicamente. Fazer uma prova de DNA para saber se alguém é o pai não é a solução porque este, da mesma forma, pode não aceitar o filho".
É preciso entender, então, e gravá-lo bem na cabeça, que o compromisso de ser pais é gigante e vai mais além de 'fazer' as crianças. E se o ideal é o compromisso dos biológicos, acrescenta Sérgio, "estamos em um tempo de construção no natural. Também é simbólico".
O que se aprende em casa
A família é o lugar onde se transmite, define o especialista, "uma condição subjetiva e não necessariamente tem que construir-se de forma conservadora. É um lugar onde se transmite algo" que é fundamental para o resto da vida.
É mais, faz finca-pé o especialista, há grupos que tem laços de amizade ou de parceria tão fortes que cumprem a função da família. "Coisas que não estão previstas e que não devem ser depreciadas".
O fato é que, disse ele, não é algo bom nem mau em si mesmo. Trata-se de adaptar-se a determinadas condições, se assim o exige o ambiente, para que não afete as pessoas ou o meio.
"Isso é bom desde que se acompanhe com a palavra", acrescenta Sérgio, e dá o seguinte exemplo que aconteceu no Brasil, onde ele realiza investigação e trabalho de recuperação social: Um jovem estava em uma quadrilha de tráfico, na qual pôde haver chegado a exemplo de seu pai, que também fez parte desta, desde quando ele era pequeno.
Recorda o jovem, que sua mãe lhe dizia que as condições em que viviam eram por culpa da decisão de seu pai, de envolver-se em um trabalho ilícito. Assim, o jovem, quando começou seu trabalho de recuperação, não pensou tanto em que devia sair porque era negativo para sua vida, mas porque "queria ser um pai diferente do que foi o seu. Essa palavra lhe permitiu sair", conta Laia.
Dentro da família, formam-se estruturas sociais, inclusive para evitar a violência em geral, e uma específica, como é a urbana.
"Quando vamos educar uma criança, lhe ensinamos a viver. Se um pequeno maltrata um animal, os pais devem dizer-lhe que não e ensinar-lhe porque não se deve fazer". A isto é preciso acrescentar que, se seu ambiente é de maltrato e, portanto, não sabem o que é não serem maltratados, a essas pessoas, grandes ou pequenas, enquanto aplica também para a sociedade, "é preciso dar-lhes melhores condições e oferecer-lhes algo que lhes possa ajudar. Não é apenas uma questão de dinheiro ou educação".
A família é a base para fazer uma sociedade melhor e isso sim, é preferível aprender desde pequenos, com o exemplo e a guia que se encontra nela. E seguindo o especialista, o importante é a família que se tem e que se fez, seja biológica ou não.
Uma proposta integral para a violência urbana
O expert brasileiro Sérgio Laia compartilhou sua experiência de trabalho com a Violência urbana. "É mais localizada e nos faz sentir que estamos aparentemente muito tranquilos, mas com uma atmosfera de angústia". Assinala que se faz anonimamente e tem um viés generalizado de sem sentido, o que não implica deixar de analisar o que está acontecendo e por que, para buscar soluções, sendo conscientes que "o ideal não existe e nem tudo se pode solucionar". O trabalho deve incluir uma união, disse ele, entre psicanálise, cultura, arte e opções de vida.
Comentários dos leitores:
"Se nas famílias de agora fossem levados em conta alguns desses parâmetros, a violência seria menos dentro das famílias e na cidade."
"Excelente, ressalto duas frases do autor para refletir.. A definição de família como uma condição subjetiva... onde se transmite algo"... e "é preciso dar-lhes melhores condições.....Não é apenas uma questão de dinheiro ou educação"...."
Tradução: Mª Cristina Maia Fernandes
Biblioteca da NEL-Medellín
A família também se faz
Entrevista da jornalista Mónica Quintero Restrepo a Sérgio Laia para o diário El Colombiano | Medellín | Publicado em 18 de fevereiro de 2010
A família também é permeada pelo tempo. Não é o mesmo, uma de 50 anos e uma de 20 ou uma atual.
Pode-se recordar a maneira, por exemplo, que muitos dos que hoje são adultos se queixam, em uma brincadeira muito séria, que quando eram crianças, a carne maior era para o pai e agora que são grandes, é para os pequenos. Uma mudança de importância ou de foco, para nomeá-lo de alguma forma.
A família sofreu transformações através do tempo, segundo o momento em que se vive. O que, sim, é claro, e talvez este não muda, é que é uma estrutura fundamental da sociedade.
É possível que o homem já não seja essa figura que dá as ordens e carrega toda a responsabilidade e que agora a mulher seja mais ativa. A construção da família é produto de seu trabalho em conjunto.
Agora, pode-se trazer um conceito de que fala o psicanalista brasileiro Sérgio Laia: "Vivemos em um momento paradoxal, o que faz com que o fato de serem pais não se reduza a procriar. Pode-se ser pai ou mãe não apenas biologicamente".
Assim, não é uma questão de por um óvulo ou um espermatozoide para ter um filho, mas tudo o que há mais além, que tem a ver com a criança, com o ensino, com o que significa realmente ser pais. Isso de compromisso, inclusive.
Desta maneira, disse Laia, quem esteve em Medellín conversando sobre a violência urbana e as transformações familiares contemporâneas, "que nem tudo se resolve biologicamente. Fazer uma prova de DNA para saber se alguém é o pai não é a solução porque este, da mesma forma, pode não aceitar o filho".
É preciso entender, então, e gravá-lo bem na cabeça, que o compromisso de ser pais é gigante e vai mais além de 'fazer' as crianças. E se o ideal é o compromisso dos biológicos, acrescenta Sérgio, "estamos em um tempo de construção no natural. Também é simbólico".
O que se aprende em casa
A família é o lugar onde se transmite, define o especialista, "uma condição subjetiva e não necessariamente tem que construir-se de forma conservadora. É um lugar onde se transmite algo" que é fundamental para o resto da vida.
É mais, faz finca-pé o especialista, há grupos que tem laços de amizade ou de parceria tão fortes que cumprem a função da família. "Coisas que não estão previstas e que não devem ser depreciadas".
O fato é que, disse ele, não é algo bom nem mau em si mesmo. Trata-se de adaptar-se a determinadas condições, se assim o exige o ambiente, para que não afete as pessoas ou o meio.
"Isso é bom desde que se acompanhe com a palavra", acrescenta Sérgio, e dá o seguinte exemplo que aconteceu no Brasil, onde ele realiza investigação e trabalho de recuperação social: Um jovem estava em uma quadrilha de tráfico, na qual pôde haver chegado a exemplo de seu pai, que também fez parte desta, desde quando ele era pequeno.
Recorda o jovem, que sua mãe lhe dizia que as condições em que viviam eram por culpa da decisão de seu pai, de envolver-se em um trabalho ilícito. Assim, o jovem, quando começou seu trabalho de recuperação, não pensou tanto em que devia sair porque era negativo para sua vida, mas porque "queria ser um pai diferente do que foi o seu. Essa palavra lhe permitiu sair", conta Laia.
Dentro da família, formam-se estruturas sociais, inclusive para evitar a violência em geral, e uma específica, como é a urbana.
"Quando vamos educar uma criança, lhe ensinamos a viver. Se um pequeno maltrata um animal, os pais devem dizer-lhe que não e ensinar-lhe porque não se deve fazer". A isto é preciso acrescentar que, se seu ambiente é de maltrato e, portanto, não sabem o que é não serem maltratados, a essas pessoas, grandes ou pequenas, enquanto aplica também para a sociedade, "é preciso dar-lhes melhores condições e oferecer-lhes algo que lhes possa ajudar. Não é apenas uma questão de dinheiro ou educação".
A família é a base para fazer uma sociedade melhor e isso sim, é preferível aprender desde pequenos, com o exemplo e a guia que se encontra nela. E seguindo o especialista, o importante é a família que se tem e que se fez, seja biológica ou não.
Uma proposta integral para a violência urbana
O expert brasileiro Sérgio Laia compartilhou sua experiência de trabalho com a Violência urbana. "É mais localizada e nos faz sentir que estamos aparentemente muito tranquilos, mas com uma atmosfera de angústia". Assinala que se faz anonimamente e tem um viés generalizado de sem sentido, o que não implica deixar de analisar o que está acontecendo e por que, para buscar soluções, sendo conscientes que "o ideal não existe e nem tudo se pode solucionar". O trabalho deve incluir uma união, disse ele, entre psicanálise, cultura, arte e opções de vida.
Comentários dos leitores:
"Se nas famílias de agora fossem levados em conta alguns desses parâmetros, a violência seria menos dentro das famílias e na cidade."
"Excelente, ressalto duas frases do autor para refletir.. A definição de família como uma condição subjetiva... onde se transmite algo"... e "é preciso dar-lhes melhores condições.....Não é apenas uma questão de dinheiro ou educação"...."
Tradução: Mª Cristina Maia Fernandes
quinta-feira, 8 de abril de 2010
Seu olho é capturado enquanto sua cabeça é posta para dormir.
Entrevista com Jacques-Alain Miller
Entrevista feita por Christophe Labbé e Olivia Recasens
Publicada em 25/02/2010 N°1953 Le Point
Le Point : « Avatar » é um sucesso planetário. O que fez com que a humanidade inteira fosse ver esse filme?
Jacques-Alain Miller : Sua debilidade. Este efeito de debilidade é habilmente obtido cindindo pensamento e percepção. O cenário é um pot-pourri de mitos imemoráveis, de arquétipos banais e clichês New Age, feitos para dar, a todo momento, uma impressão de déjà-vu. Resultado: o senso crítico é adormecido, paralisado, o pensamento retorna facilmente a sua rotina. No entanto, em termos de imagem, é a festa, o jogo do artifício, do jamais-vu. O elemento simbólico do filme é tão arcaico quanto sua imaginação é futurista. A tecnologia se apoia no braço da mitologia, a parceria é irresistível
Adolescentes ficam orgulhosos em dizer que já viram «Avatar», 2, 3, 5, 10 vezes...
Seu olho é capturado, super excitado, e ele goza, portanto, mais intensamente, de modo que sua cabeça é adormecida. Quando o gozo do olho é tão intenso, ele se torna aditivo. Encontra-se aqui, a mesma síndrome que foi isolada com os vídeo games ou com a Internet. A humanidade está envolvida, abandonada a essa nova bebida.
Como o Sr. explica isso?
A debilidade mental do ser humano tende, precisamente, a isso que ele vê sempre, sob dois planos, ao mesmo tempo, real e imaginário, ser e dever-ser: ele sonha sua vida com os olhos abertos. Este dado antropológico, as novas tecnologias se apoderam para manipular seu sonho, acordado, com uma precisão e uma habilidade, até aqui, inéditas. Isto é apenas um começo.
O cinema tem sempre ofertado identificações ao espectador.
«Avatar» explora um além do cinema. Não se trata apenas de identificação, sempre pontual, baseada num traço singular, mas de uma imersão psicossomática em um universo. O cenário exibe também a mola: a alma do herói tetraplégico desliza em outro corpo para dar cambalhotas em outro mundo, enquanto o espectador se aloja arriado em sua cadeira.
É esse o filme que nossa época espera?
Seu sucesso mostra que a humanidade acaba de se desgostar da espécie humana. Não estamos mais no «mal estar na civilização» denunciado por Freud, mas claramente, num impasse crescente. O salve-se quem puder é geral. Num momento em que a globalização do capitalismo exacerba o individualismo, a competição, o cada um por si, como foi dito, que cerca de auréola, de uma docilidade imaginária, a natureza, a animalidade. Aspira-se um comunismo primitivo autoritário, sob a forma de um tribalismo quase vegetal.
Os neoconservadores americanos são, com efeito, hostis ao filme. Mas, o Vaticano também.
Porque «Avatar» é o toque de clarim de uma ressurreição pagã. Estes longos corpos azuis, sinuosos e sensuais, é uma entrada sedutora na era da pós-humanidade. O homem deseja tornar-se um produto de síntese. Amanhã, a engenharia biológica, o gênio genético farão desse sonho, realidade, e pesadelo.
Por que o azul?
É a cor do «supremo Clarim, pleno de sons estridentes estranhos, silêncios atravessando Mundos e Anjos», de que fala Rimbaud. A noite de Pierre Soulages lhe reenvia a sua dor de existir; o azul de «Avatar», sua luxúria sensorial, lhe anestesia. A escolha é límpida.
Tradução: Mª Cristina Maia
Entrevista feita por Christophe Labbé e Olivia Recasens
Publicada em 25/02/2010 N°1953 Le Point
Le Point : « Avatar » é um sucesso planetário. O que fez com que a humanidade inteira fosse ver esse filme?
Jacques-Alain Miller : Sua debilidade. Este efeito de debilidade é habilmente obtido cindindo pensamento e percepção. O cenário é um pot-pourri de mitos imemoráveis, de arquétipos banais e clichês New Age, feitos para dar, a todo momento, uma impressão de déjà-vu. Resultado: o senso crítico é adormecido, paralisado, o pensamento retorna facilmente a sua rotina. No entanto, em termos de imagem, é a festa, o jogo do artifício, do jamais-vu. O elemento simbólico do filme é tão arcaico quanto sua imaginação é futurista. A tecnologia se apoia no braço da mitologia, a parceria é irresistível
Adolescentes ficam orgulhosos em dizer que já viram «Avatar», 2, 3, 5, 10 vezes...
Seu olho é capturado, super excitado, e ele goza, portanto, mais intensamente, de modo que sua cabeça é adormecida. Quando o gozo do olho é tão intenso, ele se torna aditivo. Encontra-se aqui, a mesma síndrome que foi isolada com os vídeo games ou com a Internet. A humanidade está envolvida, abandonada a essa nova bebida.
Como o Sr. explica isso?
A debilidade mental do ser humano tende, precisamente, a isso que ele vê sempre, sob dois planos, ao mesmo tempo, real e imaginário, ser e dever-ser: ele sonha sua vida com os olhos abertos. Este dado antropológico, as novas tecnologias se apoderam para manipular seu sonho, acordado, com uma precisão e uma habilidade, até aqui, inéditas. Isto é apenas um começo.
O cinema tem sempre ofertado identificações ao espectador.
«Avatar» explora um além do cinema. Não se trata apenas de identificação, sempre pontual, baseada num traço singular, mas de uma imersão psicossomática em um universo. O cenário exibe também a mola: a alma do herói tetraplégico desliza em outro corpo para dar cambalhotas em outro mundo, enquanto o espectador se aloja arriado em sua cadeira.
É esse o filme que nossa época espera?
Seu sucesso mostra que a humanidade acaba de se desgostar da espécie humana. Não estamos mais no «mal estar na civilização» denunciado por Freud, mas claramente, num impasse crescente. O salve-se quem puder é geral. Num momento em que a globalização do capitalismo exacerba o individualismo, a competição, o cada um por si, como foi dito, que cerca de auréola, de uma docilidade imaginária, a natureza, a animalidade. Aspira-se um comunismo primitivo autoritário, sob a forma de um tribalismo quase vegetal.
Os neoconservadores americanos são, com efeito, hostis ao filme. Mas, o Vaticano também.
Porque «Avatar» é o toque de clarim de uma ressurreição pagã. Estes longos corpos azuis, sinuosos e sensuais, é uma entrada sedutora na era da pós-humanidade. O homem deseja tornar-se um produto de síntese. Amanhã, a engenharia biológica, o gênio genético farão desse sonho, realidade, e pesadelo.
Por que o azul?
É a cor do «supremo Clarim, pleno de sons estridentes estranhos, silêncios atravessando Mundos e Anjos», de que fala Rimbaud. A noite de Pierre Soulages lhe reenvia a sua dor de existir; o azul de «Avatar», sua luxúria sensorial, lhe anestesia. A escolha é límpida.
Tradução: Mª Cristina Maia
segunda-feira, 5 de abril de 2010
Considerações sobre seminário.
Lidia de Noronha, Psicanalista e Antropologa
Sônia Vicente, psicanalista membro da Associação Mundial de Psicanálise e da Escola Brasileira de Psicanálise, Seção Bahia, no dia 12 realizou a palestra: “Contribuições da psicanálise à saúde mental e no dia 13 de março ministrou o Seminário: A transferência.
Foi para nós uma grande oportunidade escutar as experiências de Sonia quanto ao trabalho de supervisão psicanalítica em alguns CAPS de Salvador, como também observar suas referências teóricas psicanalíticas que embasaram essa experiência.
Os psicanalistas são chamados para trabalhar dentro da instituição pela sua escuta diferenciada em que o sintoma não é tratado como uma patologia, mas como algo estrutural. Para a psicanálise não há saúde mental, pois todos nós somos enfermos da linguagem. A enfermidade é o inconsciente porque seu discurso desarmoniza. A saúde é o compromisso com o social, e o mental é a adaptação do corpo: ver, lembrar, poder pensar. Nesse sentido, o sintoma faz falar e viver e não podemos segregar ninguém pelo sintoma. Afirma, “de perto todo mundo delira”.
Na instituição não há psicanalistas, mas psicanálise. Na sua experiência de supervisão, toda a equipe da instituição deve ser reunida para discutir a partir de casos clínicos. Esse é o momento de abertura para se reinventar a instituição a partir do furo, do não saber. E dessa forma fazer com que os sujeitos se sintam melhores, com seus sonhos, com sua liberdade de expressão de poderem falar e serem escutados.
No seminário de 8hs, o conceito de Transferência é abordado como um dos quatro conceitos fundamentais da psicanálise, ao lado do conceito de pulsão, repetição e inconsciente, que graficamente são representando por duas hélices cruzadas, em que o centro é um furo, uma falta.
Nessa exposição, de grande densidade, Sonia associa o conceito de suposto saber com a sessão clínica e as estruturas clínicas, especialmente a psicose e a histeria.
Situa o sujeito suposto saber como a mola da transferência. Quando o sintoma não dá mais a satisfação desejada procura-se alguém que possa dá a resposta, que saiba sobre o que se quer dizer. O psicanalista não deve responder a demanda porque o inconsciente do sujeito ao falar já faz sua interpretação porque o sujeito é suposto saber por um significante.
Na sessão clínica, o analista não ocupa o lugar daquele que sabe, não explica, mas através do manejo da transferência faz o analisando se comprometer com sua historia e criar sentido para sua experiência. O que é manejo da transferência? Na sessão clínica o psicanalista faz interpretação com palavra, com corte e com ato. Interpretação com palavras através de citações, de uso de palavras homófonas e de pontuações. Corte, significa o analista interromper para mudar o sentido, cortar o gozo de ficar rodando na cadeia significante. E ato analítico quer dizer a mudança subjetiva do sujeito e que ocorre só depois.
Lembra do erro de Freud no manejo do caso Dora, que operando a partir dele, dos seus preconceitos, afirma que Dora estaria interessada no Sr.K e no caso da homossexualidade na direção da Sr. K, e dessa forma não percebeu que o interesse de Dora não era no Sr. K-Pai-Freud mas na Sra K porque ela respondia sobre o enigma do que é uma mulher.
Sublinha que a direção do tratamento deve se diferenciar para as neuroses e a psicose. Nas neuroses, como o sujeito está sob a barra do recalque, ele pode realizar suas interpretações, entretanto na psicose como o sujeito está na linguagem, mas não está no discurso não consegue simbolizar a castração. Portanto o analista deve acolher a sua verdade não chamando a simbolização.
Finaliza o seminário apresentando um caso clínico em que seu manejo foi acolher a paciente e não interpretar, mesmo se tratando de uma neurose histérica.
Sônia Vicente, psicanalista membro da Associação Mundial de Psicanálise e da Escola Brasileira de Psicanálise, Seção Bahia, no dia 12 realizou a palestra: “Contribuições da psicanálise à saúde mental e no dia 13 de março ministrou o Seminário: A transferência.
Foi para nós uma grande oportunidade escutar as experiências de Sonia quanto ao trabalho de supervisão psicanalítica em alguns CAPS de Salvador, como também observar suas referências teóricas psicanalíticas que embasaram essa experiência.
Os psicanalistas são chamados para trabalhar dentro da instituição pela sua escuta diferenciada em que o sintoma não é tratado como uma patologia, mas como algo estrutural. Para a psicanálise não há saúde mental, pois todos nós somos enfermos da linguagem. A enfermidade é o inconsciente porque seu discurso desarmoniza. A saúde é o compromisso com o social, e o mental é a adaptação do corpo: ver, lembrar, poder pensar. Nesse sentido, o sintoma faz falar e viver e não podemos segregar ninguém pelo sintoma. Afirma, “de perto todo mundo delira”.
Na instituição não há psicanalistas, mas psicanálise. Na sua experiência de supervisão, toda a equipe da instituição deve ser reunida para discutir a partir de casos clínicos. Esse é o momento de abertura para se reinventar a instituição a partir do furo, do não saber. E dessa forma fazer com que os sujeitos se sintam melhores, com seus sonhos, com sua liberdade de expressão de poderem falar e serem escutados.
No seminário de 8hs, o conceito de Transferência é abordado como um dos quatro conceitos fundamentais da psicanálise, ao lado do conceito de pulsão, repetição e inconsciente, que graficamente são representando por duas hélices cruzadas, em que o centro é um furo, uma falta.
Nessa exposição, de grande densidade, Sonia associa o conceito de suposto saber com a sessão clínica e as estruturas clínicas, especialmente a psicose e a histeria.
Situa o sujeito suposto saber como a mola da transferência. Quando o sintoma não dá mais a satisfação desejada procura-se alguém que possa dá a resposta, que saiba sobre o que se quer dizer. O psicanalista não deve responder a demanda porque o inconsciente do sujeito ao falar já faz sua interpretação porque o sujeito é suposto saber por um significante.
Na sessão clínica, o analista não ocupa o lugar daquele que sabe, não explica, mas através do manejo da transferência faz o analisando se comprometer com sua historia e criar sentido para sua experiência. O que é manejo da transferência? Na sessão clínica o psicanalista faz interpretação com palavra, com corte e com ato. Interpretação com palavras através de citações, de uso de palavras homófonas e de pontuações. Corte, significa o analista interromper para mudar o sentido, cortar o gozo de ficar rodando na cadeia significante. E ato analítico quer dizer a mudança subjetiva do sujeito e que ocorre só depois.
Lembra do erro de Freud no manejo do caso Dora, que operando a partir dele, dos seus preconceitos, afirma que Dora estaria interessada no Sr.K e no caso da homossexualidade na direção da Sr. K, e dessa forma não percebeu que o interesse de Dora não era no Sr. K-Pai-Freud mas na Sra K porque ela respondia sobre o enigma do que é uma mulher.
Sublinha que a direção do tratamento deve se diferenciar para as neuroses e a psicose. Nas neuroses, como o sujeito está sob a barra do recalque, ele pode realizar suas interpretações, entretanto na psicose como o sujeito está na linguagem, mas não está no discurso não consegue simbolizar a castração. Portanto o analista deve acolher a sua verdade não chamando a simbolização.
Finaliza o seminário apresentando um caso clínico em que seu manejo foi acolher a paciente e não interpretar, mesmo se tratando de uma neurose histérica.
quinta-feira, 18 de março de 2010
Notas de um Poeta Santo ou Torto
“a gente toda se arruma/ e a vida, às vezes,/ nem convida pra dançar”
Trecho do monodrama épico escrito por Ray Fernandes.
Pensamentos, reflexões de alguém em transe e tortura, que em momentos de lucidez traz para o mundo uma poesia, às vezes simpática, às vezes triste, às vezes alegre... O “malúcido” de Notas de um poeta santo ou torto é um habitante da rua, que vive de comer o lixo que deixam por ai.
O discurso deste poeta é carregado de contradições, história de vida, conselhos, daqueles que a gente nunca vai entender ou seguir; Por que somos normais? O mesmo discurso que maldiz, também quer ter esperança. Não, mentimos, a personagem representada pelo ator Vitor Sampaio recusa-se a ter esperança, eis a sua loucura, a sua santidade.
“Não espero, ando!/ (...) Tropeçando, caindo, sangrando, ferido”.
A peça teatral, um monodrama épico: “notas de um poeta santo ou louco” foi apresentado no dia 12 de março de 2010 às 19h, com direção de Ray Fernandes, atuação de Victor Sampaio, abrindo a Palestra: Contribuições da Psicanálise à Saúde Mental com a conferencista Sonia Vicente – Psicanalista, Membro da Associação Mundial de Psicanálise e Membro da Escola Brasileira de Psicanálise – Seção Bahia.
Trecho do monodrama épico escrito por Ray Fernandes.
Pensamentos, reflexões de alguém em transe e tortura, que em momentos de lucidez traz para o mundo uma poesia, às vezes simpática, às vezes triste, às vezes alegre... O “malúcido” de Notas de um poeta santo ou torto é um habitante da rua, que vive de comer o lixo que deixam por ai.
O discurso deste poeta é carregado de contradições, história de vida, conselhos, daqueles que a gente nunca vai entender ou seguir; Por que somos normais? O mesmo discurso que maldiz, também quer ter esperança. Não, mentimos, a personagem representada pelo ator Vitor Sampaio recusa-se a ter esperança, eis a sua loucura, a sua santidade.
“Não espero, ando!/ (...) Tropeçando, caindo, sangrando, ferido”.
A peça teatral, um monodrama épico: “notas de um poeta santo ou louco” foi apresentado no dia 12 de março de 2010 às 19h, com direção de Ray Fernandes, atuação de Victor Sampaio, abrindo a Palestra: Contribuições da Psicanálise à Saúde Mental com a conferencista Sonia Vicente – Psicanalista, Membro da Associação Mundial de Psicanálise e Membro da Escola Brasileira de Psicanálise – Seção Bahia.
domingo, 28 de fevereiro de 2010
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
O sintoma como problema e como solução
Sérgio Laia- EBP-AMP-MG
Por Maria de Lourdes Aragão
Por ocasião da vinda do colega Sergio Laia, da Seção Minas Gerais, ao nosso estado, para participar de bancas de mestrado na UFPB, a delegação Paraíba, fez um convite para que ele pudesse contribuir com os nossos Seminários Preparatórios do VII Colóquio da EBP – “Felicidade: uma política do sintoma?”, onde o mesmo nos apresentou uma brilhante conferência intitulada O Sintoma como Problema e como Solução. A conferência, aberta ao público, foi realizada no auditório do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da universidade.
Traçando um caminho de Freud a Lacan, Sérgio Laia inicia sua fala, dizendo que na conferência A terapia analítica, Freud diz que um neurótico é incapaz de aproveitar a vida porque sua libido não é dirigida a nenhum objeto real e de ser eficiente porque precisa dispensar uma quantidade valiosa de energia para manter sua energia reprimida.
Nesse sentido, diz Sergio Laia, Freud nos lega o sintoma como uma satisfação inconsciente, e por ser uma satisfação torna-se difícil do neurótico se livrar dela, já que ela torna-se uma forma do neurótico solucionar um conflito.
Em outras palavras: a solução freudiana do problema-sintoma, a solução para a solução problemática que um sintoma acaba sendo para um sujeito é que esse sujeito possa se transformar, com o tratamento analítico, em um “senhor do sintoma”.
Em Lacan, Sergio destaca o que este diz sobre “identificação ao sintoma”, que não se trata de uma “identificação ao inconsciente”. Essa expressão nomeia muito bem o que Freud almejava quando concebia o tratamento analítico como um traço no qual o neurótico deveria se fazer senhor de seu sintoma. Apropriar-se de seu sintoma seria equivalente a se identificar ao inconsciente.
Sérgio Laia enfatizou que, identificar-se a seu sintoma implica colocar-se mais longe do inconsciente, estar mais além do inconsciente.
Nessa perspectiva, nos disse que, se no final de análise temos uma identificação do analisante ao seu sintoma, é porque o sintoma é aquilo que se conhece melhor, é o parceiro do sujeito em sua loida com o real impossível de suportar.
Dessa maneira a experiência de uma análise, afirma Sergio Laia, é a depuração do sintoma como parceiro do sujeito. Se Lacan nos fala acrescenta Sérgio Laia, de um savoir y faire no final de análise, não se trata de um fazer técnico, de um “saber fazer com”. Trata-se, sobretudo, segundo Xavier Esqué, de saber se desenrolar do rolo, tendo o sintoma à mão, como se fosse uma ferramenta. É uma depuração com a redução dos objetos a. É o sujeito demonstrar no que concerne ao gozo de sua vida, uma identificação a seu sintoma sem transformar-se em seu senhor e sem permanecer como seu escravo.
Além da conferência Sérgio Laia participou conosco do Seminário de Estudos Clínicos, atividade interna da Delegação onde contribuiu com um excelente trabalho clínico, trazendo aportes riquíssimos para todos os que praticam a psicanálise de orientação lacaniana.
Por Maria de Lourdes Aragão
Por ocasião da vinda do colega Sergio Laia, da Seção Minas Gerais, ao nosso estado, para participar de bancas de mestrado na UFPB, a delegação Paraíba, fez um convite para que ele pudesse contribuir com os nossos Seminários Preparatórios do VII Colóquio da EBP – “Felicidade: uma política do sintoma?”, onde o mesmo nos apresentou uma brilhante conferência intitulada O Sintoma como Problema e como Solução. A conferência, aberta ao público, foi realizada no auditório do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da universidade.
Traçando um caminho de Freud a Lacan, Sérgio Laia inicia sua fala, dizendo que na conferência A terapia analítica, Freud diz que um neurótico é incapaz de aproveitar a vida porque sua libido não é dirigida a nenhum objeto real e de ser eficiente porque precisa dispensar uma quantidade valiosa de energia para manter sua energia reprimida.
Nesse sentido, diz Sergio Laia, Freud nos lega o sintoma como uma satisfação inconsciente, e por ser uma satisfação torna-se difícil do neurótico se livrar dela, já que ela torna-se uma forma do neurótico solucionar um conflito.
Em outras palavras: a solução freudiana do problema-sintoma, a solução para a solução problemática que um sintoma acaba sendo para um sujeito é que esse sujeito possa se transformar, com o tratamento analítico, em um “senhor do sintoma”.
Em Lacan, Sergio destaca o que este diz sobre “identificação ao sintoma”, que não se trata de uma “identificação ao inconsciente”. Essa expressão nomeia muito bem o que Freud almejava quando concebia o tratamento analítico como um traço no qual o neurótico deveria se fazer senhor de seu sintoma. Apropriar-se de seu sintoma seria equivalente a se identificar ao inconsciente.
Sérgio Laia enfatizou que, identificar-se a seu sintoma implica colocar-se mais longe do inconsciente, estar mais além do inconsciente.
Nessa perspectiva, nos disse que, se no final de análise temos uma identificação do analisante ao seu sintoma, é porque o sintoma é aquilo que se conhece melhor, é o parceiro do sujeito em sua loida com o real impossível de suportar.
Dessa maneira a experiência de uma análise, afirma Sergio Laia, é a depuração do sintoma como parceiro do sujeito. Se Lacan nos fala acrescenta Sérgio Laia, de um savoir y faire no final de análise, não se trata de um fazer técnico, de um “saber fazer com”. Trata-se, sobretudo, segundo Xavier Esqué, de saber se desenrolar do rolo, tendo o sintoma à mão, como se fosse uma ferramenta. É uma depuração com a redução dos objetos a. É o sujeito demonstrar no que concerne ao gozo de sua vida, uma identificação a seu sintoma sem transformar-se em seu senhor e sem permanecer como seu escravo.
Além da conferência Sérgio Laia participou conosco do Seminário de Estudos Clínicos, atividade interna da Delegação onde contribuiu com um excelente trabalho clínico, trazendo aportes riquíssimos para todos os que praticam a psicanálise de orientação lacaniana.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Felicidade: uma política do sintoma?
Zaeth Aguiar do Nascimento – Correspondente da Delegação Paraíba da EBP
O SINTOMA E A CIVILIZAÇÃO
A articulação em torno do tema sintoma e civilização tomou como referência para dialogar, O Mal-estar na Civilização (Freud, 1930) e “A Sociedade do Sintoma” (Laurent, 2007).
O momento atual da civilização circunscrito com o termo contemporaneidade tem sido conceituado como um tempo de desencanto, mas ao mesmo tempo de promessas: na política, nos ideais, na ciência com suas promessas de felicidade e de garantia de jovialidade. Um tempo em que nos deparamos com o surgimento de novos sintomas que trazem desafios para a prática analítica: a violência desmedida, a toxicomania, a bulimia, a anorexia, a depressão, o empuxo ao consumo desenfreado, as psicoses não desencadeadas, etc.
Diante deste quadro nos questionamos em que lugar deve o analista se situar com seu ato diante dos novos sintomas e qual deve ser a ação analítica no mundo atual?
Em 1930 Freud nos brinda com suas reflexões no seu brilhante artigo O Mal-Estar na Civilização. Neste artigo ele enumera as três medidas que o homem elege para tentar suportar o desamparo diante da vida: 1) derivativos poderosos (e neste cita como exemplo a atividade científica); 2) as satisfações substitutivas (que reduzem ou amenizam o sofrimento – estas são ofertadas pela arte e 3) as substâncias tóxicas (que nos tornam insensíveis ao sofrimento ).
De acordo com Freud, o homem localiza a fonte deste desamparo ou sofrimento que o ameaça em três direções: 1) Na fragilidade do nosso corpo (“condenado à decadência e à dissolução” (p. 95). Neste sentido, constatamos que o homem contemporâneo busca garantias apoiado na ciência, através de diversos recursos para se contrapor a este inevitável; o que podemos chamar de a ditadura da beleza: botox, plásticas, etc; (p.107); 2) No mundo externo, ou seja, no poder da natureza e 3) Na relação com o outro (fonte social) – Freud destaca que esta terceira direção é a que o sofrimento é mais penoso.
Freud ao se interrogar por que é tão difícil o homem ser feliz, aponta que ao ser questionado a respeito de qual o propósito da vida, o homem indica como projeto a busca da felicidade e que esta se concretiza através de duas metas: uma na qual se busca a felicidade pela via da ausência de sofrimento e de desprazer, e outra (negativa) que se dá pela via da experiência de prazer intenso, pela satisfação pulsional sem renúncia.
O método que o homem elege para evitar o sofrimento considerado como o mais grosseiro embora o mais eficaz é a intoxicação o que Freud denomina de “amortecedor de preocupações” (p. 97).
O que Freud denomina de “mal-estar” na civilização ou o que Lacan indica como “sinthoma” na civilização, Miller estabelece sob a forma do matema a > I para definir a conjuntura atual da civilização que tem como predomínio a “ascensão ao Zênite social” (Lacan) do objeto a. Ainda com relação ao momento contemporâneo Lacan aponta o discurso capitalista como um efeito particular do discurso do mestre contemporâneo (Laurent, 2007). É este discurso que produz o objeto a.
A partir de Freud com sua 2ª teoria pulsional, e com Lacan com a proposição do conceito de gozo, podemos localizar no sujeito desta civilização um imperativo do gozo. Laurent localiza no termo overdose da qual o sujeito faz uso para ir de encontro à morte, termo este que não se restringe apenas ao campo das toxicomanias como conhecíamos o seu uso, mas se estende a outros campos: ao excesso de trabalho (advindo a expressão matar-se de trabalhar – o que conhecemos como os Workhaolics), a busca por esportes/radicais perigosos, o apetite pelo risco, o suicídio político (o homem-bomba), o gozar com sua morte, etc.
Laurent aponta-nos as características da subjetividade contemporânea e nesta “percebe-se claramente que o declínio do ideal se acompanha das exigências do gozo”. Permeando a subjetividade contemporânea apresentam-se o hedonismo de massa e o fetichismo da mercadoria generalizada.
Neste sentido, constatamos que o hedonismo de massa que caracteriza o momento atual da civilização é responsável pelo desaparecimento da particularidade do sintoma. A visão hedonista do mundo remete ao acesso ao gozo “para todos”. Laurent acrescenta os dois tipos de relação com o gozo: querer mais gozo e querer a particularidade do sintoma e indica-nos um outro aspecto da experiência de gozo que se diferencia da overdose, que é a experiência do todo e que seria a alloverdose implicando um gozo ilimitado, o todo. Se contrapondo a esta versão do gozo, “respondem os pequenos furos particulares de cada sujeito liberado da tirania de gozar de “tudo” (p. 173)”. Miller (Curso de Orientação Lacaniana, curso 20; ano 2003-2004 – inédito) indica-nos a que ponto a tirania do objeto a na atual civilização é uma tirania que não tem mais laço com a singularidade de cada sujeito, por isto se chama de tirania.
Diante deste quadro da civilização, voltamos a nos questionar qual a ação do analista? Laurent indica-nos que o analista “não pode pretender aliviar o sujeito contemporâneo de sua culpa em relação ao ideal”, pois o sujeito contemporâneo já está aliviado (ele é um sujeito light) e que “o importante não é o aparente alívio do sujeito, mas o peso de sua relação com o gozo” (p. 171). Neste sentido, cabe ao analista, no que diz respeito ao gozo, “reenviar o sujeito à sua particularidade” (p. 172) que diz respeito ao sintoma. O programa de ação do analista na civilização atual é fazer acreditar no sintoma que remete ao singular.
Outra ação do analista na civilização do lugar da psicanálise hoje, diz respeito ao que Laurent denomina de “analista-cidadão”. Desta forma, resta ao analista praticar a psicanálise na cidade, sair da posição de analista intelectual, “Há que se passar do analista reservado, (..) a um analista que participa, (...) sensível às formas de segregação, a um analista capaz de entender qual foi sua função e qual lhe corresponde agora” (Laurent, 2007, p. 143).
O SINTOMA E A CIVILIZAÇÃO
A articulação em torno do tema sintoma e civilização tomou como referência para dialogar, O Mal-estar na Civilização (Freud, 1930) e “A Sociedade do Sintoma” (Laurent, 2007).
O momento atual da civilização circunscrito com o termo contemporaneidade tem sido conceituado como um tempo de desencanto, mas ao mesmo tempo de promessas: na política, nos ideais, na ciência com suas promessas de felicidade e de garantia de jovialidade. Um tempo em que nos deparamos com o surgimento de novos sintomas que trazem desafios para a prática analítica: a violência desmedida, a toxicomania, a bulimia, a anorexia, a depressão, o empuxo ao consumo desenfreado, as psicoses não desencadeadas, etc.
Diante deste quadro nos questionamos em que lugar deve o analista se situar com seu ato diante dos novos sintomas e qual deve ser a ação analítica no mundo atual?
Em 1930 Freud nos brinda com suas reflexões no seu brilhante artigo O Mal-Estar na Civilização. Neste artigo ele enumera as três medidas que o homem elege para tentar suportar o desamparo diante da vida: 1) derivativos poderosos (e neste cita como exemplo a atividade científica); 2) as satisfações substitutivas (que reduzem ou amenizam o sofrimento – estas são ofertadas pela arte e 3) as substâncias tóxicas (que nos tornam insensíveis ao sofrimento ).
De acordo com Freud, o homem localiza a fonte deste desamparo ou sofrimento que o ameaça em três direções: 1) Na fragilidade do nosso corpo (“condenado à decadência e à dissolução” (p. 95). Neste sentido, constatamos que o homem contemporâneo busca garantias apoiado na ciência, através de diversos recursos para se contrapor a este inevitável; o que podemos chamar de a ditadura da beleza: botox, plásticas, etc; (p.107); 2) No mundo externo, ou seja, no poder da natureza e 3) Na relação com o outro (fonte social) – Freud destaca que esta terceira direção é a que o sofrimento é mais penoso.
Freud ao se interrogar por que é tão difícil o homem ser feliz, aponta que ao ser questionado a respeito de qual o propósito da vida, o homem indica como projeto a busca da felicidade e que esta se concretiza através de duas metas: uma na qual se busca a felicidade pela via da ausência de sofrimento e de desprazer, e outra (negativa) que se dá pela via da experiência de prazer intenso, pela satisfação pulsional sem renúncia.
O método que o homem elege para evitar o sofrimento considerado como o mais grosseiro embora o mais eficaz é a intoxicação o que Freud denomina de “amortecedor de preocupações” (p. 97).
O que Freud denomina de “mal-estar” na civilização ou o que Lacan indica como “sinthoma” na civilização, Miller estabelece sob a forma do matema a > I para definir a conjuntura atual da civilização que tem como predomínio a “ascensão ao Zênite social” (Lacan) do objeto a. Ainda com relação ao momento contemporâneo Lacan aponta o discurso capitalista como um efeito particular do discurso do mestre contemporâneo (Laurent, 2007). É este discurso que produz o objeto a.
A partir de Freud com sua 2ª teoria pulsional, e com Lacan com a proposição do conceito de gozo, podemos localizar no sujeito desta civilização um imperativo do gozo. Laurent localiza no termo overdose da qual o sujeito faz uso para ir de encontro à morte, termo este que não se restringe apenas ao campo das toxicomanias como conhecíamos o seu uso, mas se estende a outros campos: ao excesso de trabalho (advindo a expressão matar-se de trabalhar – o que conhecemos como os Workhaolics), a busca por esportes/radicais perigosos, o apetite pelo risco, o suicídio político (o homem-bomba), o gozar com sua morte, etc.
Laurent aponta-nos as características da subjetividade contemporânea e nesta “percebe-se claramente que o declínio do ideal se acompanha das exigências do gozo”. Permeando a subjetividade contemporânea apresentam-se o hedonismo de massa e o fetichismo da mercadoria generalizada.
Neste sentido, constatamos que o hedonismo de massa que caracteriza o momento atual da civilização é responsável pelo desaparecimento da particularidade do sintoma. A visão hedonista do mundo remete ao acesso ao gozo “para todos”. Laurent acrescenta os dois tipos de relação com o gozo: querer mais gozo e querer a particularidade do sintoma e indica-nos um outro aspecto da experiência de gozo que se diferencia da overdose, que é a experiência do todo e que seria a alloverdose implicando um gozo ilimitado, o todo. Se contrapondo a esta versão do gozo, “respondem os pequenos furos particulares de cada sujeito liberado da tirania de gozar de “tudo” (p. 173)”. Miller (Curso de Orientação Lacaniana, curso 20; ano 2003-2004 – inédito) indica-nos a que ponto a tirania do objeto a na atual civilização é uma tirania que não tem mais laço com a singularidade de cada sujeito, por isto se chama de tirania.
Diante deste quadro da civilização, voltamos a nos questionar qual a ação do analista? Laurent indica-nos que o analista “não pode pretender aliviar o sujeito contemporâneo de sua culpa em relação ao ideal”, pois o sujeito contemporâneo já está aliviado (ele é um sujeito light) e que “o importante não é o aparente alívio do sujeito, mas o peso de sua relação com o gozo” (p. 171). Neste sentido, cabe ao analista, no que diz respeito ao gozo, “reenviar o sujeito à sua particularidade” (p. 172) que diz respeito ao sintoma. O programa de ação do analista na civilização atual é fazer acreditar no sintoma que remete ao singular.
Outra ação do analista na civilização do lugar da psicanálise hoje, diz respeito ao que Laurent denomina de “analista-cidadão”. Desta forma, resta ao analista praticar a psicanálise na cidade, sair da posição de analista intelectual, “Há que se passar do analista reservado, (..) a um analista que participa, (...) sensível às formas de segregação, a um analista capaz de entender qual foi sua função e qual lhe corresponde agora” (Laurent, 2007, p. 143).
quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
Comunicado
A diretoria do Círculo de Estudo Psicanalítico do Piauí - CEPP comunica que estão abertas as inscrições para o cargo de ADERENTE a todos que queiram se vincular e estudar a psicanálise.
Os interessados devem redigir uma carta endereçados a diretoria do CEPP, sobre o seu desejo e percurso com a psicanálise para o endereço eletrônico: cepp.teresina@gmail.com ; até o dia 26 de fevereiro de 2010.
Maiores informações através do e-mail: cepp.teresina@gmail.com
Os interessados devem redigir uma carta endereçados a diretoria do CEPP, sobre o seu desejo e percurso com a psicanálise para o endereço eletrônico: cepp.teresina@gmail.com ; até o dia 26 de fevereiro de 2010.
Maiores informações através do e-mail: cepp.teresina@gmail.com
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
dEsEnrEdoS
ano II - número quatro
janeiro fevereiro março 2010
editorial
Então, continuamos. Os desafios são os mesmos de sempre, e cada vez maiores, mas estarmos sendo lidos neste momento continua sendo nossa maior recompensa. Entretanto, gostaríamos de destacar uma leve mudança: a partir desta edição, dEsEnrEdoS passa ter periodicidade trimestral (exceto a seção bloco de notas, que será atualizada mensalmente). Não nos afligem a urgência e o imediatismo típicos da mídia contemporânea, e por isso lutamos contra os textos efêmeros, e precisamos de mais tempo para esse combate. É que esperamos que nossa voz tenha mais relevância que a próxima postagem do twitter (e mais caracteres também). E, enfim, desejamos imensamente que 2010 seja um ano atípico: repleto de bons poemas, boa prosa e pensamento crítico bem elaborado. E que a dEsEnrEdos não seja um oásis, mas apenas mais uma revista que prima em ir além do senso comum. Que nos mais diversos setores, inclusive na política, possamos realimentar esperanças, mesmo que para perdê-las em tão pouco tempo. E desejamos também que sejamos todos capazes de fazer essa diferença.
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